ANTONIO CANDIDO A COLEÇÃO

Relançamento da obra de um autor decisivo para o pensamento social brasileiro.

A obra de Antonio Candido (1918-2017) passou a ser publicada pela Todavia desde março de 2023. São dezessete livros, muitos deles clássicos da crítica literária e do pensamento social brasileiro. Já estão disponíveis nas livrarias: Formação da literatura brasileira, Os parceiros do Rio Bonito, Literatura e sociedade, O discurso e a cidade, Iniciação à literatura brasileira, Vários escritos, Um funcionário da monarquia, Teresina etc., A educação pela noite.  A partir de 2024, virão os seguintes livros: Brigada ligeira, O método crítico de Silvio Romero, Ficção e confissão, O observador literário, Tese e antítese, Na sala de aula: cadernos de análise literária, Recortes e O albatroz e o chinês.

A Todavia tem a grande responsabilidade de dar continuidade ao trabalho de excelência feito pela Ouro sobre Azul, casa editorial que publicou a obra do autor nos últimos anos, em edições revistas pelo próprio Candido até pouco antes de sua morte. 

Nesta página especial, a Todavia reúne ensaios inéditos sobre cada um desses livros, encomendados especialmente para a ocasião do relançamento. De autoria de intelectuais de uma geração jovem, em boa parte formada por professores que foram alunos de Antonio Candido, são textos que apresentam a obra ao público leigo, analisam seu papel de destaque no debate contemporâneo e atestam a extrema vitalidade dessa contribuição luminosa ao pensamento brasileiro. 

Intérprete do Brasil, Candido partilhava com Gilberto Freyre, Caio Prado Jr., Celso Furtado e Sérgio Buarque de Holanda uma largueza de escopo que o pensamento social do país jamais voltaria a igualar, aliando anseio por justiça social, densidade teórica e qualidade estética. Com eles também tinha em comum o gosto pela forma do ensaio, incorporando o legado modernista numa escrita a um só tempo refinada e cristalina. 

Candido ainda produziu ensaios fundamentais a respeito de autores estrangeiros, sobretudo franceses e italianos, oferecendo um panorama que vai muito além das fronteiras nacionais. Na outra ponta, fez textos para uso em sala de aula e atuou de forma incansável na formação de gerações e gerações de críticos e intelectuais.

Com seu saber enciclopédico, sua atitude generosa e seu olhar sensível sobre a cultura e a sociedade, Candido integra uma linhagem de pensadores latino-americanos que marcariam para sempre a produção intelectual do continente, com influência internacional.

Com novo projeto gráfico, de autoria de Oga Mendonça, e ações de divulgação em diversas frentes, o relançamento da obra de Antonio Candido pela Todavia celebra o legado de uma figura de referência para o pensamento brasileiro, amplia a circulação de seu trabalho e mostra às novas gerações a atualidade de uma obra inesgotável e decisiva.

Coleção LIVRO A LIVRO

Conheça os nove primeiros lançamentos e leia ensaios inéditos sobre cada um dos livros.

DUAS OU TRÊS PALAVRAS SOBRE A FORMAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA

Samuel Titan Jr.

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SÍNTESES CERTEIRAS

Ieda Lebensztayn

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Outro Brasil

Luiz Carlos Jackson

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PONTO DE CHEGADA

Rita Palmeira

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EM BUSCA DA FORMA LITERÁRIA

Ana Paula Pacheco

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FERRAMENTAS CRÍTICAS

Milena Britto

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HISTÓRIAS DE FAMÍLIA

Ana Luisa Escorel

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PISTAS PARA RESSIGNIFICAR UMA OBRA COM A "PARTE NEGRA DA HISTÓRIA"

Giovana Xavier

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VÁRIOS ESCRITOS, UMA PREOCUPAÇÃO

Max Gimenes

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Próximos Lançamentos

 

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Samuel Titan Jr. é doutor em letras e leciona no departamento de teoria literária e literatura comparada da USP desde 2005. Foi pesquisador visitante no departamento de literatura comparada da Universidade da Califórnia em Berkeley (2007) e na École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris (2014). É também tradutor e editor. Fundou as coleções Prosa do Mundo e Fábula (desde 2013). É membro do conselho editorial das revistas Serrote, Zum, Cadernos de tradução e Novos estudos Cebrap.

DUAS OU TRÊS PALAVRAS SOBRE A FORMAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA

Samuel Titan Jr.

A Formação da literatura brasileira de Antonio Candido é, sem grande margem para dúvida, a peça central dos estudos literários no Brasil do século XX. Central e decisiva, para usar um termo que figura no subtítulo da própria obra, Momentos decisivos. A afirmação talvez pareça um juízo de valor hiperbólico, desses que valem o que vale esse tipo de veredicto — muito pouco, tantas vezes. Mas não se trata disso, como não se trata de querer canonizar as ideias expressas nesse livro de 1959. O que importa é assinalar a que ponto a Formação é um divisor de águas, a que ponto ela marca um antes e um depois, tanto para quem subscreve ou desdobra suas grandes teses como para quem, divergindo, não tem como ignorá-la e deve, então, confrontá-la de modo implícito ou explícito.

Esse caráter central e decisivo também tem pouco a ver com as noções mais ou menos românticas, já tão vulgarizadas, de gênio ou de obra-prima. O próprio autor seria o primeiro a recusar tal gênero de epíteto, e não apenas por modéstia. Com efeito, o tom e o teor do livro evidenciam que Candido estendeu a ideia de formação à concepção e composição de seu próprio livro. Digamos, para resumir, em vez de querer refutar os estudiosos anteriores ou pontificar para os contemporâneos, o que importava era levar a cabo um paciente trabalho de recolha e decantação, que retornava aos primeiros historiadores românticos da literatura brasileira, passava pelos autores da virada do XIX para o XX (como Sílvio Romero, assunto da tese de doutorado de Candido) e pelo ensaísmo dos modernistas para chegar à crítica universitária que começara a tomar forma no Brasil a partir das décadas de 1930 e 1940. Nesse sentido, o livro buscava instaurar, em seu próprio campo de estudos, aquele mesmo processo de formação paulatina e transgeracional cujos momentos decisivos Candido buscava capturar. Muitos veios convergem na Formação, e isso talvez responda por muito do caráter incontornável que a obra adquiriu.

Tentemos dar mais tangibilidade a essa ideia. A certa altura da Formação, quando se prepara para discutir o aparecimento da ficção romântica como “instrumento de descoberta e interpretação” do país, Candido dedica alguns parágrafos discretos a Machado de Assis. Observa que o trio romântico formado por Manuel Antônio de Almeida, Joaquim Manuel de Macedo e José de Alencar realizara uma obra admirável de importação do romance europeu, num exercício de dupla fidelidade — uma “fidelidade dilacerada, por isso mesmo difícil” — em que muitas vezes situações narrativas europeias, imitadas com devoção, entravam em conflito com circunstâncias brasileiras da época, registradas com o mesmo empenho. O resultado desigual e por vezes claudicante desse esforço geracional bem podia ter caído no vazio tão logo a voga romântica foi substituída pela “última novidade ultramarina” — como de fato se deu, sempre segundo Candido, com o advento do romance naturalista. É quando entra em cena Machado de Assis, “esse mestre admirável” que “se embebeu meticulosamente da obra dos predecessores”. Sua obra, maiúscula, “pressupõe a existência dos predecessores”, tendo em vista que Machado se dedicou a “assimilar, aprofundar, fecundar o legado positivo das experiências anteriores”. A observação, breve mas certeira, posiciona Machado numa tradição local sem reduzi-lo a esta e sugere que seu gênio consistiu menos em “começar da capo” do que em repensar e reescrever o legado do passado. Em mais de um sentido, Machado é o vértice secreto de Formação (por mais que esta se detenha em 1880, um ano antes das Memórias póstumas de Brás Cubas), na medida em que o escritor fluminense consuma, superando-o, o esforço de seus predecessores “em seu desejo de ter uma literatura” e dar forma à sua experiência humana, histórica e social.

Ora, essas fórmulas a propósito de Machado de Assis iluminam também o desenho geral da Formação e o empenho que sua escrita supôs, a contar dos anos que seu autor passou “embebendo-se” dos séculos XVIII e XIX brasileiros. Poucos críticos, antes e depois dele, chegaram a alcançar intimidade comparável com os autores árcades e românticos, discutidos à luz do melhor aparato filológico e crítico disponível em meados do século XX, mas sempre e antes de tudo lidos em primeira mão. Como bem observou Davi Arrigucci Jr., a obra de Candido concede uma consistente primazia à leitura, a esse movimento por meio do qual o crítico põe a própria imaginação à disposição da obra literária e de sua potência estética — e, dessa perspectiva, a Formação ganha ao ser lida em primeiro lugar, sem prejuízo de seu desenho historiográfico e sociológico, como obra de crítica literária, de apreciação culta de autores e obras. Faz todo o sentido do mundo, em especial quando se recorda que, em 1956, Candido já trazia na mochila mais de uma década como crítico na imprensa paulistana.

Mas assim como Machado prolongava e transfigurava, em modo irônico, o melhor da ficção anterior, também Candido repensou o curso da literatura brasileira num espírito que não tinha nada a ver com as noções correntes de tradição, fossem elas classicizantes ou tardo-românticas, nutrindo-se antes de elementos da vida moderna que não estavam dados de antemão e valendo-se, concretamente, de uma mistura própria de modernismo, socialismo e ciências sociais — estudadas, vejam só, em seus próprios anos de formação como aluno da Universidade de São Paulo.

Para dar um exemplo central desse espírito crítico profundamente moderno, vale lembrar como, ao contrário do que pensam certos críticos, a Formação vai na contramão da historiografia romântica e desnaturaliza seu objeto. Se a convenção romântica e nacionalista fazia remontar a literatura brasileira a alguma data em torno de 1500 — como se nada dificultasse a perfeita equação identitária de natureza, território, nação e literatura —, Candido começa justamente por se perguntar quando e por quais caminhos históricos uma vida literária dotada de consistência própria, distinta da portuguesa, começa a ganhar contornos diferenciados a partir de uma experiência social e histórica idem. Como os novos leitores do livro verão, trata-se da famosa noção de “sistema literário”, que por sua vez desemboca na ideia de uma fundamental e frutífera continuidade de arcadismo e romantismo no Brasil: em vez de serem estudados como “escolas”, à maneira dos manuais, um e outro são lidos como participantes, solidários da “história dos brasileiros no seu desejo de ter uma literatura”. 

Esta última fórmula pode parecer de sabor nacionalista, mas vai na direção contrária desse ou de qualquer outro essencialismo: ela supõe, na verdade, a intuição de que o sentido final de uma obra ou de um conjunto de obras nasce do encontro de certa tessitura verbal e de certa circunstância local, como seus próprios contornos sociais e simbólicos. Assim, a feição europeia do arcadismo e do romantismo europeu não tem como ditar ou esgotar suas versões ultramarinas. Estas, por sua vez, não estão mais condenadas para sempre a serem cópias menores ou derivadas, na exata medida em que vão começando a selecionar, exacerbar, mitigar ou parodiar traços do “original” europeu à luz de urgências ou dilemas brasileiros — isto é, na medida em que o canibalizam. (E, mais uma vez, vejam só: contemporâneo, amigo e leitor de Oswald de Andrade, Candido tem no bolso do colete sua própria noção de antropofagia para lançar à mesa das discussões contemporâneas.)

(Permitam-me um pequeno parêntese. Quando ia voltando do Brasil para sua terra natal em meados da década de 1950, o sociólogo Roger Bastide — um dos grandes professores franceses da jovem Universidade de São Paulo e uma das influências mais poderosas na carreira de Antonio Candido e de Gilda de Mello e Souza — publicou um breve ensaio, “Sociologia e literatura comparada”, em que lançava mão do conceito antropológico de “aculturação” para falar desses mesmos temas, chegando mesmo à intuição, muito brevemente esboçada, da tal continuidade entre arcadismo e romantismo. Cinco anos depois, Candido desdobrava e refinava o lampejo do mestre, dando-lhe contorno mais firme e, sobretudo, formulando-o em termos sociologicamente menos generalizantes e mais concretos. Formação é isso.)

Não bastasse tudo isso, o livro de Candido dá mais um passo decisivo — e um passo que talvez dê a medida da importância fundamental da experiência do “estouro e libertação” modernistas para nosso autor. Pois essa sua história sociologicamente informada da formação de uma literatura nacional é também a história da constituição no Brasil de uma esfera de autonomia das formas artísticas, uma esfera que, ganhando força e consistência, ganha também dinâmica própria e — atenção à pirueta! — já não se deixa explicar nos termos exclusivos de uma sociologia da literatura. O problema interessara Candido em sua tese de sociologia “dura”, Os parceiros do Rio Bonito, que começara como estudo de uma forma de poesia e dança popular, o cururu, que aos poucos parecia se desligar de suas origens coletivas e coreografadas para ganhar contornos mais e mais individualizados e desritualizados. Mas, para ficar no âmbito da literatura “culta”, note-se como a essa luz o vértice machadiano da Formação se justifica duplamente: Machado não é apenas um ponto de chegada, ele é também um ponto de partida. Não por obra de sua “influência” ou coisa do gênero, mas sim porque sua obra inaugura esse novo terreno de jogo autônomo em que poderão vicejar Mário de Andrade, Drummond e João Cabral ou Graciliano Ramos, Clarice Lispector e Guimarães Rosa — para citar apenas alguns dos autores que Candido comentou ao longo da carreira, sempre de perspectiva resolutamente moderna.

A mesma coisa vale, aliás, para a própria Formação. Ponto de chegada, ela também é ponto de partida para muito do que veio depois na obra de Candido: muitos de seus melhores textos posteriores ganham relevo quando lidos como extensões, revisões ou aprofundamentos do livro de 1959. É o caso de seus grandes ensaios sobre Memórias de um sargento de milícias (“Dialética da malandragem”), Aluísio Azevedo (“De cortiço a cortiço”) e Machado (“Esquema de Machado de Assis”), como é igualmente o caso de muitos dos escritos breves sobre o século XIX e o XX que se leem em Recortes, O discurso e a cidade, O albatroz e o chinês ou mesmo nos primeiros capítulos dessa pequena joia que é Na sala de aula.

Seria possível seguir adiante, comentando os vários desdobramentos e aspectos desse modo de praticar a crítica que se decantou na Formação. Mas não se trata aqui de querer esgotar essa obra em que o próprio autor parece menos preocupado em dizer a última palavra sobre seus objetos do que em plantar marcos de orientação para leitores e críticos futuros. Mais vale, portanto, convidar o público a ler ou reler a Formação: com admiração ou desconfiança, com adesão ou distância, quem sabe com todas as anteriores. Pouco importa, contanto que comecemos logo a leitura.

Ieda Lebensztayn é crítica literária, pesquisadora e ensaísta. Escreveu "Graciliano Ramos e a Novidade: o astrônomo do inferno e os meninos impossíveis" (Hedra, 2010). Co-organizou "Cangaços" (Record, 2014), "Conversas" (Record, 2014), "O antimodernista: Graciliano Ramos e 1922" (Record, 2022), os dois volumes de "Escritor por escritor: Machado de Assis segundo seus pares" (Imesp, 2019) e "Primeiras edições de Machado de Assis na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin" (Publicações BBM, 2022).

SÍNTESES CERTEIRAS

Ieda Lebensztayn

Escrito em 1987, Iniciação à literatura brasileira foi concebido por Antonio Candido como um resumo da produção literária do país, tendo como público-alvo leitores estrangeiros. Seria o capítulo de uma obra coletiva a respeito do Brasil, organizada pelo professor Ricardo Campa, a publicar-se na Itália quando do quinto centenário do descobrimento da América. Nesse contexto, o critério foi apresentar o movimento geral da nossa literatura até praticamente o decênio de 1950, em perspectiva histórica, evitando não só o excesso de nomes de autores e de obras, como também a indicação de contemporâneos, ainda não triados pela passagem do tempo.

Porém, como não se publicou o volume italiano, passados dez anos, em 1997, Antonio Candido resolveu tirar seu resumo da gaveta, a fim de lançá-lo internamente na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, na qual lecionou de 1942 a 1978, e até 1992 como orientador de pós-graduação.

Embora o autor não pretendesse torná-lo um livro regularmente editado, afinal reitera temas e questões de várias de suas obras, o propósito desse pequeno volume, explicitado na “Nota prévia” — de oferecer aos jovens da Universidade uma “aide mémoire que esclareça o desenho geral da literatura brasileira e sirva de complemento a textos mais substanciosos” —, garante a necessidade de sua publicação, demandando a vastidão de leitores. 

O livro se compõe de três capítulos: “Manifestações literárias”, “A configuração do sistema literário” e “O sistema literário consolidado”. Tais títulos deixam ver a concepção de literatura formulada por Candido como um sistema erigido sobre o tripé autor, obra e público, incluindo a circulação e uma tradição literárias. A apresentação dessa concepção nesse volume certamente contribuirá para o leitor de hoje, como caminho para reencontrá-la em especial nos volumes do crítico Formação da literatura brasileira: Momentos decisivos, de 1959, e Literatura e sociedade, de 1965.

A Introdução logo nos possibilita observar uma particularidade da nossa literatura: ela carrega a ambiguidade entre integrar o conjunto das literaturas ocidentais e trazer modificações conforme as condições do Novo Mundo. Daí o caráter relativo de se pensar no seu “começo”, diversamente das literaturas matrizes, a portuguesa, a francesa ou a italiana, que se constituíram paulatinamente, junto com as respectivas línguas. A colonização portuguesa implicou o transplante da língua e literatura para um meio físico diferente, povoado por outras raças e outros modelos culturais. Houve um processo brutal de imposição da cultura do conquistador, com a transposição das leis e dos costumes da metrópole.

Assim, Candido apreende um duplo movimento de formação da literatura brasileira: de um lado, a visão da nova realidade demandava temas diferentes dos presentes na literatura da metrópole; de outro, a necessidade de expressão dos sentimentos e dessa realidade local pedia a adaptação dos gêneros. Era preciso exprimir a singularidade do Novo Mundo, mas manter o contato inspirador com as matrizes do Ocidente. Desse modo, tanto as obras feitas pela transposição dos modelos ocidentais quanto as que se diferenciavam deles nos temas, no tom e nas formas expressam o processo constitutivo de uma literatura derivada, que, acompanhando a passagem de colônia até nação, com o tempo desenvolveu seu timbre próprio e sua personalidade.

Antonio Candido entende, pois, que a história da literatura brasileira decorre de uma imposição cultural que aos poucos gerou expressão literária autônoma, embora vinculada aos centros europeus. Por isso, identifica três etapas na literatura brasileira, dedicando a cada uma o respectivo capítulo desse livro. Ao conhecer essas etapas, o leitor de hoje poderá acompanhar fatos da história do Brasil, como a primeira mudança de capital do país e seus fatores econômicos, as lutas pela independência e pela abolição da escravatura, e a importância da literatura no processo de conquista de consciência e autonomia individual e social.

A era das manifestações literárias — que vai do século XVI ao meio do XVIII e tem como sede a Bahia, então capital do Brasil, diretamente ligada à metrópole — inclui escritos como poemas de fundo religioso, destinados à conversão dos povos originários, descrições do país e relatórios administrativos. Candido salienta a atuação de José de Anchieta (1534-97): resistindo a um processo de dominação linguística e homogeneização cultural, o patriarca da nossa literatura escreveu poemas e atos teatrais de cunho religioso, inclusive no idioma Tupi. O crítico disserta a respeito dos cronistas, como Gabriel Soares de Sousa e seu Tratado descritivo do Brasil (1587), Frei Vicente do Salvador e a História do Brasil (1627), Simão de Vasconcelos e a Vida do venerável Padre José de Anchieta (1672). Ele realça a transfiguração da imagem do abacaxi, novidade americana, encimada por coroa. E merecem sua atenção evidentemente os sermões do padre Antônio Vieira e a poesia de Gregório de Matos, sendo o Barroco literário a linha de maior interesse dessa era das manifestações literárias. 

Da era de configuração do sistema literário, do meio do século XVIII à segunda metade do XIX, Candido ressalta as tentativas de renovação arcádicas e neoclássicas e a grande fratura representada pelo romantismo. No decênio de 1760 a capital foi transferida para o Rio de Janeiro, e já se pode falar do esboço de uma literatura como fato cultural configurado: existem a consciência de grupo por parte de intelectuais, o reconhecimento de um passado literário local e o começo de maior receptividade por parte de públicos. No arcadismo, as aspirações de independência em relação à metrópole levaram alguns poetas à prisão, ao desterro. As Cartas chilenas (1789), de Tomás Antônio Gonzaga, expressam o inconformismo das elites coloniais contra a administração portuguesa.

Em 1808, com a vinda da família real portuguesa, houve progresso no Brasil, inclusive intelectual, com o surgimento de bibliotecas, associações científicas e literárias, tipografias, jornais, revistas, teatros. Posterior à Independência (1822), o romantismo privilegia uma dimensão localista e o desejo de expressar a singularidade do país e do eu. Candido destaca o aparecimento do romance no decênio de 1840 e o indianismo de poemas de Gonçalves Dias e de narrativas de José de Alencar, “fenômeno de adolescência nacionalista na literatura brasileira”. Aponta que Alencar foi o primeiro escritor a se impor à opinião pública e que, inspirado na Comédia humana de Balzac, buscou representar em romances os diversos aspectos do país, por meio de uma expressão brasileira. Nos anos 1870 e 1880 vieram as ideias abolicionistas, sobressaindo os poemas de Castro Alves, romances de Bernardo Guimarães e ensaios de Joaquim Nabuco.

Enfim, na era do sistema literário consolidado, da segunda metade do século XIX aos nossos dias, estava amadurecido o sistema literário do Brasil, com um conjunto numeroso de escritores, veículos de difusão dos textos e uma tradição local. Sinal desse amadurecimento, observa Candido, é a obra de Machado de Assis (1839-1908). Combinando “raro discernimento literário” e “forte cultura intelectual”, o romancista, contista, poeta, dramaturgo, cronista e crítico impôs-se aos grupos dominantes, apesar de sua origem modesta, atingindo raro reconhecimento público. Candido também sublinha, nesse tempo, o desenvolvimento da crítica literária, com Sílvio Romero, José Veríssimo e Araripe Júnior. E as várias tendências decorrentes da reação antirromântica, o naturalismo, o parnasianismo e o simbolismo, com destaque para nomes como Inglês de Sousa, Adolfo Caminha, Aluísio Azevedo, Olavo Bilac, Cruz e Sousa.

Numa síntese que dialoga com seu ensaio “De cortiço a cortiço”, de 1973, presente em O discurso e a cidade — exemplar do seu método de “redução estrutural”, análise da interiorização estética da realidade do mundo e do ser, caminho fértil para a crítica dialética —, Antonio Candido vê o cortiço do romance de Aluísio Azevedo como o próprio Brasil, “regido pela exploração econômica do estrangeiro e a sujeição do povo humilde”, então composto em grande parte de negros, mestiços e imigrantes pobres. 

O crítico comenta a importante atuação de escritores como Euclides da Cunha, Lima Barreto, Augusto dos Anjos e Monteiro Lobato. E salienta a ruptura representada pelo modernismo de 1922, que abriu a fase por ele considerada a mais fecunda da literatura brasileira, com Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Como em “Literatura e cultura de 1900 a 1945”, de 1950, ensaio de história literária igualmente voltado a estrangeiros (incluído em seu volume Literatura e sociedade), Candido assinala que o modernismo, garantindo a liberdade de criação e de experimentação, iniciou um período de renovação contra a “literatura de permanência”. Na sequência, os anos de 1930 e 1940 foram de modernização geral, nas ciências, no ensino, na edição, na literatura. Ressalta o chamado “romance nordestino”, de Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Jorge Amado: com consciência crítica, tratou o homem pobre do campo e da cidade como sujeito. E vários outros escritores modernos, como Dyonelio Machado, Murilo Rubião, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, são evocados por meio de comentários precisos. 

Assim, em Iniciação à literatura brasileira, Antonio Candido combina clareza de linguagem com vasto conhecimento, sobressaindo a simplicidade, resultado da ação do tempo a condensar sua sensibilidade e erudição. Por meio desse estilo cativante, ele constitui, nesse livro, uma perspectiva atenta, a um tempo, à dimensão estética e à significação histórica dos vários momentos da formação e da consolidação da literatura no país, tendo sempre no horizonte a configuração de uma comunicabilidade artística transformadora da realidade. Deixando ver o papel do crítico, distingue sempre os jogos de força entre dominantes e subordinados e a busca de autonomia e voz para os que resistem aos exploradores. 

O leitor tem a rara oportunidade, nesse volume, de deparar com sínteses agudas a respeito do estilo, da perspectiva e da representatividade dos diversos escritores de cada época da historiografia da literatura brasileira. Candido nos apresenta, em poucas linhas, mas com a devida complexidade, a poética desses autores, convidando-nos a conhecê-los melhor. A muitos deles o crítico dedicou ensaios, que constam em obras como Vários escritos e A educação pela noite, porém é preciso destacar as sínteses certeiras aqui presentes, em especial sobre Machado de Assis, Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.

Leiam-se, pois, algumas palavras de Antonio Candido em Iniciação à literatura brasileira acerca de Machado de Assis. Ele identifica na obra machadiana um “elemento fugidio” que causa perplexidade e atração; uma aparência de ceticismo, como também, no subentendido das cenas, “o interesse lúcido pela realidade social e o sentimento das suas contradições”; a capacidade de despistar o leitor por meio de uma “frieza irônica que pode significar desapreço pelo homem, mas pode ser também um método de afastamento, recobrindo a compreensão piedosa”. “Por causa dessa capacidade de fundir frieza e paixão, serenidade e revolta, elegância e violência, a sua escrita [de Machado] é um prodígio de elaboração, que, tendo-se despojado dos acessórios, é sempre moderna, apesar de raros traços de preciosismo.”

Luiz Carlos Jackson é professor de sociologia na Universidade de São Paulo e pesquisador do Núcleo de Sociologia da Cultura/USP. É autor dos livros "A tradição esquecida: Os parceiros do Rio Bonito e a sociologia de Antonio Candido" (segunda edição ampliada, UFMG, 2018) e, em parceria com o sociólogo argentino Alejandro Blanco, "Sociologia no espelho: ensaístas, cientistas sociais e críticos literários no Brasil e na Argentina" (Editora 34, 2014).

Outro Brasil

Luiz Carlos Jackson

O sucesso editorial persistente de Os parceiros do Rio Bonito reforça a tese de que esse livro pode ser lido como uma interpretação abrangente sobre os processos de “formação” e “modernização” da sociedade brasileira, analisados a partir do mundo social do caipira, o sitiante pobre paulista, inscrevendo-se na tradição do ensaio histórico-sociológico brasileiro. O livro foi publicado pela primeira vez em 1964 na Coleção Documentos Brasileiros, da Editora José Olympio, pela segunda em 1971 pela Duas Cidades, que editou o livro até sua décima edição (de 2001), esta realizada em parceria com a Editora 34.

A Ouro sobre Azul editou a 11ª e a 12ª (2017), a última em coedição com a Edusp. Celebramos agora uma nova edição pela Todavia, alcançando a média aproximada de uma edição a cada quatro anos e meio em quase sessenta anos. 

O livro originou-se da tese de doutorado de Antonio Candido, defendida em 1954, e os dez anos de intervalo entre as duas publicações envolveram a mudança institucional do autor entre a sociologia e a crítica literária, inscrita no processo amplo de polarização política que conduziu ao golpe de 1964 e à ditadura miliar (1964-85). Nascido em 1918, descendente de famílias das oligarquias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, filho de um médico, Candido passou a infância e parte da adolescência em Poços de Caldas (MG) e veio para São Paulo antes de completar vinte anos, movido pela expectativa de ingressar na então recém-criada Universidade de São Paulo (1934). Ali deixaria inconclusa a formação em direito e se tornaria sociólogo numa das primeiras turmas do curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, ensinado pelos professores da missão francesa, em especial por Roger Bastide, que exerceu enorme impacto sobre seus alunos e alunas na longa temporada (1938-53) em que lecionou na instituição. Não obstante, o convite para ingressar na carreira acadêmica como professor assistente partiu de Fernando de Azevedo, então catedrático da Cadeira de Sociologia II, logo após Antonio Candido concluir a graduação em 1941. No início dos anos de 1940, o jovem sociólogo iniciou, também, sua atividade profissional como crítico literário nos jornais (Folha da Manhã e Diário de São Paulo), catapultada pela iniciativa de editar com colegas da faculdade a revista cultural Clima (1941-4), na qual se destacou ao escrever sobre literatura. Essa dupla atividade combinou a formação educacional privilegiada que recebeu desde criança ao treinamento intelectual sistemático obtido no curso de ciências sociais, sob a orientação dos professores franceses.

A produção intelectual copiosa das primeiras gerações de sociólogos e sociólogas paulistas derivou dessa experiência de institucionalização extraordinária — conectada diretamente com os centros da sociologia europeia e estadunidense — e rompeu com a tradição intelectual estabelecida pelos ensaístas, formados em direito, medicina ou engenharia, ao introduzir novos temas, objetos e perspectivas de análise e reivindicar a sociologia como ciência. Ao mesmo tempo, os e as cientistas sociais deram continuidade a essa tradição retomando problemas e interpretações nela fixados. De forma geral, a sociologia restringiu o foco de grande angular das grandes interpretações do Brasil, forjadas, entre outros, por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr., em favor de enquadramentos mais específicos, como os que se voltaram às comunidades e aos pequenos produtores rurais, embora ainda interessada nas questões associadas da “formação” e “modernização” da sociedade brasileira, eixo da tradição ensaística. 

Entre os ensaístas que discutiram o estatuto histórico e sociológico dos agricultores pobres — no interior das grandes interpretações, mais interessadas no latifúndio agroexportador, na família patriarcal e na díade senhor-escravo —, reconhecer ou não sua existência autônoma e importância na formação histórica e social do país, desde a colonização, era a questão fundamental.

Em Os sertões (1902), Euclides da Cunha sugere uma resposta positiva a essa questão. O livro propõe a interpretação do processo de formação nacional a partir de dois eixos paralelos, vinculados ao Brasil do litoral e ao do interior. O sertanejo (sitiante ou vaqueiro pobre do sertão nordestino) resultaria da mestiçagem entre brancos e índios, vinculado ao povoamento vagaroso do interior, ocorrido desde os primórdios da colonização. O isolamento em relação ao litoral e o tempo vagaroso desse processo teriam levado à formação de uma “sub-raça” mais estável e adaptada ao ambiente rústico do sertão. É esse o cerne da interpretação favorável ao sertanejo, “antes de tudo um forte”, que levaria vantagem em relação ao mestiço do litoral porque estaria adaptado ao meio que o constituíra. Há na mesma obra, entretanto, uma interpretação desfavorável a ele, a qual diagnostica o comportamento de Antonio Conselheiro e o fanatismo religioso como expressões do meio social produzido pela mestiçagem de raças inferiores com superiores. “A sua religião é, como ele — mestiça.”

No atacado, entretanto, a visão de Euclides da Cunha orienta uma vertente interpretativa que reconhece e valoriza a existência relativamente autônoma de grupos sociais constituídos por sitiantes pobres desde o início da colonização brasileira, apesar da instabilidade que caracteriza esse processo. 

De modo geral, os “estudos de comunidade” desenvolvidos na Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP, 1933), com o estadunidense Donald Pierson e o alemão Emílio Willems (único a lecionar simultaneamente na FFCL-USP e na ELSP) à frente, e as pesquisas realizadas na usp por Antonio Candido, Gioconda Mussolini e Maria Isaura Pereira de Queiroz, seguem essa direção. Mesclando perspectivas sociológicas e antropológicas, discutem os problemas decorrentes da modernização capitalista, sobretudo os que implicam a transformação das formas de vida desses grupos.

As interpretações sugeridas por autores tão díspares politicamente como Oliveira Vianna e Caio Prado Jr. fundamentam outra forma típica de responder àquela mesma questão, sobre o estatuto histórico e sociológico do sitiante pobre, que teria em Homens livres na velha civilização do café, tese de doutorado de Maria Sylvia de Carvalho Franco, orientada por Florestan Fernandes e publicada como livro com o título Homens livres na ordem escravocrata (1969), seu desdobramento principal. Desse ponto de vista, a existência do pequeno produtor rural seria marcada por heteronomia e violência, constitutivas do seu modo de existir socialmente.

Seja por causa de sua suposta inferioridade étnica, seja por sua subordinação econômica ou política ao grande proprietário, o que importaria desse ponto de vista seria compreender as formas de relação com a totalidade na qual se insere o sitiante pobre e não os modos de organização sociais e culturais “internos”. Em Populações meridionais do Brasil, Oliveira Vianna fixa uma representação desse agente por meio da caracterização contrastante entre os dois estratos sociais que comporiam a sociedade brasileira desde a colônia: “aristocracia” e “plebe rural”. Sua visão justificava a inferioridade desta em função de teorias racistas em voga no Brasil do início do século XX, mas também em virtude da constatação, pelo autor fluminense, da hipertrofia do poder local, concentrado nas mãos dos grandes proprietários.

Oliveira Vianna defendia o fortalecimento e a centralização do poder estatal como remédios para corrigir as arbitrariedades do poder local e as fragilidades inerentes à sociedade rural brasileira. Distante politicamente dessa proposta, a argumentação de Caio Prado Jr. em Formação do Brasil contemporâneo (1942), no entanto, aproxima-se dela por outras vias. Referem-se, sobretudo, à caracterização negativa da pequena propriedade em função dos vínculos de subordinação econômica estabelecidos com o latifúndio escravista.

Essas representações divergentes sobre o universo social e cultural do sitiante pobre, construídas no âmbito do ensaio histórico-sociológico, direcionaram as interpretações propriamente sociológicas posteriores, condicionadas também por disputas entre as duas instituições acadêmicas mencionadas. Antonio Candido incorporou em Os parceiros do Rio Bonito um ponto de vista mais afinado com a perspectiva precursora de Euclides da Cunha, reforçada em Cunha (1947) por Emílio Willems, ao pressupor a autonomia, embora sempre relativa, da sociedade caipira. O pessimismo que encerra o livro e que acompanha de certa maneira todo a argumentação desenvolvida — constatando a fragilidade inerente à sociabilidade do mundo rústico, agravada com as mudanças decorrentes dos processos de modernização capitalista — decorre, por outro lado, da visão marxista urdida por Caio Prado Jr. em sentido contrário à anterior.

Antonio Candido perscrutou em Os parceiros do Rio Bonito os processos de obtenção dos meios de vida do caipira paulista, relacionados à produção da dieta e da sociabilidade. Através de reconstrução histórica, informada por relatos de viajantes e por depoimentos de idosos, acessou o “tempo dos antigos” e reconstruiu analiticamente a sociedade caipira tradicional. Morfologicamente demarcada pelo “bairro rural”, ela seria caracterizada pela produção de “mínimos vitais e sociais” e pelas “relações de reciprocidade” estabelecidas por meio de trocas alimentares, do mutirão, do folclore e das festas religiosas. A produção da dieta deve ser sublinhada, dado que o núcleo da alimentação caipira — mandioca, arroz, feijão e milho — viria a se espraiar por todas as classes, nos meios rural e urbano, como a comida brasileira por excelência, confirmando a presença direta do pequeno produtor no plano profundo da cultura nacional.

Relativamente isolada, sua origem relacionar-se-ia, entretanto, como a de toda a sociedade brasileira, de acordo com Caio Prado Jr., com a expansão do capitalismo comercial europeu, o que explicaria o vínculo necessário com o mercado, inicialmente intermitente e reduzido, mas progressivamente intensificado com a modernização do país. O tema do desenvolvimento capitalista e da formação da sociedade de classes aparece em Os parceiros do Rio Bonito, portanto, pelo avesso. Trata-se de dimensionar o impacto das transformações capitalistas no modo de vida das sociedades rústicas. O prognóstico explicitado na conclusão do livro denuncia a situação crítica então enfrentada pelo caipira sob tal processo e defende reforma agrária orientada pela perspectiva antropológica.

Um dos aspectos mais instigantes do trabalho relaciona-se à etnografia realizada em Bofete (SP), que nos aproxima da vida cotidiana do caipira, sobretudo daqueles de carne e osso, “os parceiros”, com quem Antonio Candido conviveu na fazenda Bela Aliança, no final da década de 1940 e em meados da seguinte, quando era administrada por seu amigo, o historiador Edgard Carone.

O modo como essa experiência é narrada também deve ser levado em conta. A clareza e o estilo literário de sua argumentação recuperam a tradição do ensaio histórico-sociológico brasileiro. A tese defendida por Antonio Candido dialoga com os grandes intérpretes da formação da sociedade brasileira, valorizando a presença quase invisível do caipira e da pequena propriedade nesse processo. Nos termos cortantes de Leonardo Arroyo, na orelha da primeira edição do livro, “sobe de suas páginas forte cheiro de terra esquecida e de homens abandonados”. A leitura de Os parceiros do Rio Bonito nos apresenta outro Brasil.

Rita Palmeira é crítica literária, editora e, atualmente, curadora da Livraria Megafauna. Foi editora da revista Novos Estudos Cebrap (2018-22), editora-assistente da Três Estrelas (2011-18) e professora da Facamp (2001-11). Doutora em literatura brasileira pela USP (2009) e mestre em teoria literária pela Unicamp (2000), foi professora temporária de literatura brasileira na USP (2012). Já colaborou, como resenhista, para veículos como Folha de S.Paulo e Quatro Cinco Um.

PONTO DE CHEGADA

Rita Palmeira

“Uma das ambições do crítico é mostrar como o recado do escritor se constrói a partir do mundo, mas gera um mundo novo, cujas leis fazem sentir melhor a realidade originária.” É com essa aparente simplicidade que, ainda no prefácio de O discurso e a cidade, Antonio Candido de Mello e Souza explica o labor do analista. Simplicidade, contudo, não deve ser confundida com simplificação. Nada mais distante do universo de Antonio Candido, um dos maiores intelectuais do Brasil da segunda metade do século XX e nosso maior crítico literário. Do alto de seus 74 anos, o que Candido defendia, naquele hoje distante 1992, era a supremacia do texto. Com a discrição e a firmeza que lhe acompanharam ao longo de toda a vida, dizia o que pode parecer elementar, mas nunca foi.

Tachada por seus detratores de “sociologizante”, na acepção menos rigorosa do termo, sua extensa obra cria um modo próprio de ver a literatura nacional, ao articular seu nascimento ao nascimento da nação. Essa perspectiva reorienta a crítica literária brasileira e muda os currículos de letras pelo país afora, mas sobretudo em São Paulo, o que se deve, em parte, a sua relação primordial com a Universidade de São Paulo.

Se procedêssemos a uma genealogia intelectual de Candido, não poderíamos deixar de mencionar sua filiação ao que se costuma chamar de pensamento social brasileiro, que, sobretudo em fins do século XIX e na primeira metade do XX, tenta criar grandes interpretações sobre o país e a literatura nacional. Se historiadores e sociólogos se interessam pelo ponto de partida, o crítico literário se interessa pelo ponto de chegada: a ele as injunções sociais só interessam, pois, na medida em que forem capazes de ser reorganizadas literariamente.

Como reconhecê-las, porém? Bom, estamos diante do texto de um erudito que era também um professor. Uma das muitas qualidades da escrita de Candido é sua clareza explicativa, própria (ou desejável) aos que se dedicam à docência. Reside em seus textos uma preocupação em ser didático sem ser simplificador. Isso porque Candido mostra que, se o ponto de chegada é o texto, o ponto de partida do crítico rigoroso é pesquisa bibliográfica e documental, amplo conhecimento do tempo (costumes, hábitos etc.) de produção do texto sobre o qual se debruça. A isso, acrescente-se a inventividade crítica que lhe é característica. 

Publicado em 1993, O discurso e a cidade se divide em três partes, cada uma delas com quatro ensaios.

A primeira, que dá nome ao volume, reúne textos “histórica e socialmente ancorados”, como ele mesmo define. Compõem essa parte “Dialética da malandragem”, originalmente publicado em 1970, sobre Memórias de um sargento de milícias (1852-3), de Manuel Antônio de Almeida; e de 1972 “Degradação do espaço”, a respeito de L’Assommoir (1877), de Zola, e “O mundo-provérbio”, sobre I Malavoglia (1881), de Giovanni Verga. Encerra essa parte “De cortiço a cortiço”, escrito em 1973, mas só conhecido integralmente em 1991, a respeito do livro de Aluísio Azevedo de 1890.

Reproduzida originalmente em 1990 e como um único grande ensaio, a parte “Quatro esperas” traz quatro pequenos capítulos sobre textos do início do século XX: “Na cidade” (sobre o poema de Kaváfis “À espera dos bárbaros”), “Na muralha” (sobre a narrativa “A construção da muralha da China”, de Kafka), “Na fortaleza” (O deserto dos tártaros, romance de Dino Buzzatti) e “Na marinha” (a respeito do romance de Julien Gracq O litoral das Sirtes). Para além de algumas semelhanças por ele indicadas, o que congrega esses títulos é que “têm com o real as conexões indispensáveis para construir a inteligibilidade, mas boiam livremente”, no que se diferenciam dos da primeira parte, “ancorados na realidade” (as aspas são dele, os grifos, meus, para que se perceba que a escrita de Antonio Candido é, ela também, imagética — a metáfora informa, não apenas alude).

Finalmente, em “Fora do esquadro” estão os ensaios mais recentes (fim dos anos 1980, início dos 1990), nos quais discute textos que têm como denominador comum o fato de destoarem da produção da época, ou “rema[re]m contra a maré”, para permanecer nas imagens aquáticas de que o crítico lança mão: a Carta dirigida a meu amigo João de Deus Pires Ferreira, em que lhe descrevo a minha viagem por mar até Gênova, que Sousa Caldas escreveu em 1790 e que só seria publicada em 1821; a poesia pantagruélica, ou do absurdo, dos românticos paulistas (em que se dedica especialmente a um poema de 1840 de Bernardo Guimarães chamado “A orgia dos duendes”); “Pomo do mal”, soneto de 1876 de Fontoura Xavier; e “Louvação da tarde”, de Mário de Andrade, escrito em 1925 e publicado em 1935.

Reuniões de ensaios não são propriamente livros para ler de uma sentada. Normalmente, seus leitores se orientam pelo tema de um ou de outro texto e deixam para depois aquilo que de imediato não lhes interessa. Nesse sentido, perde-se de vista a arquitetura que colocou em relação aqueles capítulos e não outros. Isso não é exatamente um problema, é antes uma vantagem de que disporão os leitores que fizerem a leitura integral da obra. Porque cada um dos doze ensaios que compõem O discurso e a cidade pode ser lido de forma avulsa, mas é certo que ganham espessura quando colocados em relação, justamente porque pôr em relação é parte de certo método analítico de Candido.

O artigo mais célebre do livro, e também o mais ambicioso, é “Dialética da malandragem”, ensaio de originalidade e agudeza tamanhas que fomentou outros textos de críticos diversos — tem-se aqui a dimensão do ensaio que é seminal porque joga luz sobre uma dinâmica do mundo social brasileiro a partir da compreensão de um princípio narrativo que costura as Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida. Alguns dos conceitos que ali estão ganharam vida própria — como “redução estrutural”. Outras viraram objeto de dissensão e tentativas de atualização como a “dialética da ordem e da desordem” (que Antonio Candido observa no vaivém dos personagens entre os polos da ordem e da desordem, sem que o narrador julgue negativamente a distância da esfera ordeira). Quando, no entanto, a discussão se torna por demais teórica, afastando-se do texto e do comentário de texto a que Candido era afeito, ela se distancia das preocupações de seu formulador.

Se há algo que aparece em todos os capítulos do livro é que Candido põe o argumento à prova a todo tempo. Para além do raciocínio dialético ou do exercício didático, o que ele faz é testar aquilo que anuncia. Isso significa dizer que suas formulações não se sobrepõem à análise de texto, mas são por ela estimuladas. Suas elaborações teóricas podem ser extrapoladas para outros contextos, mas deixarão de ser suas formulações e ganharão nova autoria. A ele, importa poder demonstrar o achado, não o tensionar a ponto de torná-lo conceito.

É assim, nessa construção generosa de sua narrativa crítica, que é capaz de perceber em livros antes não vistos como obras-primas da literatura nacional contribuições para a compreensão da sociedade que o engendra, iluminando aspectos até então obscuros, e com isso alçando-os a um selo de qualidade também inédito.

Se relanceamos a disposição dos ensaios da primeira parte de O discurso e a cidade, podemos acreditar que o encadeamento dos artigos se deva à cronologia da publicação dos livros que são sua matéria. Quando, porém, observamos com mais vagar, somos capazes de ver como há ali um esforço para ler tais livros em relação aos “pares” estrangeiros e, portanto, às diferentes formações sociais que os originam — e o que poderia ser visto como defeito ganha em significado específico. E, para chegar a essa conclusão, fez-se necessário ir do Brasil de Manuel Antônio de Almeida à França de Zola, então à Itália de Verga e de lá ao Brasil de Aluísio Azevedo. Esse itinerário não seria convincente se não houvesse análise de texto aliada a profundo conhecimento da vida intelectual e material que ancoraram as obras em análise. Só assim o crítico é capaz de vislumbrar na forma narrativa princípios do mundo social — a oscilação da ordem à desordem em Memórias de um sargento de milícias; o confinamento social construído também pela homofonia de L’Assommoir; o engessamento do mundo fechado e confirmado pelo uso reiterado do provérbio e do lugar-comum em I Malavoglia; a acumulação de capital e seus personagens como eixo da narrativa em O cortiço.

Expostos os procedimentos de análise de narrativas ancoradas na realidade, como tratar as que boiam por aí, num “mundo sem materialidade nem data”? É disso que se ocupa o crítico nos quatro capítulos da segunda parte. Para chegar a ela, perceba-se que era preciso mostrar como proceder à análise de livros de aspiração realista sem tratá-los como meros documentos da realidade, identificando neles construções narrativas que iluminam a vida social. Antonio Candido dedica-se então ao exame de obras que não se pretendem realistas, cujos cenários e tempos não são apreensíveis. Indica que o caminho para lê-las é e não é diferente: ainda que não disponha de documentação ou bibliografia que o auxiliem na identificação do universo narrado, ele precisa encontrar na obra, e só nela, elementos que informem cenário e tempo, e que com isso construam seu próprio universo de forma eficaz. Menos ambiciosa que a primeira parte, a segunda costura o que o crítico chamou de “descrições críticas”.

Os quatro ensaios de “Fora do esquadro” examinam obras brasileiras que, cada uma à sua maneira, destoaram de seu tempo — do fim do século XVIII ao início do século XX. Essa seção final, que poderia parecer um apanhado de textos desencaixados, oferece ao leitor a ressalva que só mesmo um crítico que se punha à prova podia fazer: o desvio da voga é também passível de análise, que irá nos revelar um tanto mais de um dado tempo e espaço e das capacidades expressivas dali surgidas.

“Embora filha do mundo, a obra é um mundo”, diz Candido em um dos ensaios desse livro. Pois a obra de Antonio Candido é também ela filha do mundo e é em si um mundo que merece visita — de uma vez ou aos poucos; o que importa é o ponto de chegada, o texto, e o rigor, a clareza e a erudição de quem conduz o leitor até lá.

Ana Paula Pacheco é escritora e professora de teoria literária e literatura comparada na USP, autora dos livros "Lugar do mito", sobre a obra de Guimarães Rosa (Nankin, 2006), "A casa deles", volume de contos (Nankin, 2009), "Ponha-se no seu lugar!" (Ática, Coleção Vaga-Lume, 2020) pelo qual recebeu o prêmio Seleção Cátedra Unesco. Acaba de lançar pela Fósforo Editora o romance "Pandora" (2023).

EM BUSCA DA FORMA LITERÁRIA

Ana Paula Pacheco

Literatura e sociedade é um livro ímpar na produção de Antonio Candido. De modo dinâmico e interligado, reúne, como poucas vezes, discussão teórica sobre o assunto, exame de linhagens da história literária brasileira, formulações fundamentais ao exercício da crítica literária. 

Como de costume, seus pontos de partida são expressos em formulações cristalinas ao longo dos capítulos, e deles seus livros seguintes continuarão a tirar consequências: “as manifestações artísticas são coextensivas à própria vida social”, “seu caráter desinteressado subsiste” mesmo nas sociedades em que elas se misturam a práticas de subsistência e de celebração, como entre os povos originários. “A obra não é produto fixo, unívoco ante qualquer público, nem este é passivo, homogêneo…” “A literatura é […] um sistema vivo de obras.” “Elite literária” significou num país iletrado, “até bem pouco, não refinamento de gosto, mas apenas capacidade de interessar-se pelas letras”.

A clareza dos termos não abre mão das complexidades que o assunto envolve, antes assinala um enquadramento. Para dizer numa palavra, desde o estilo de sua escrita, o autor toma o partido (que é também um desafio) de compreender a sociologia, a história literária e a crítica como disciplinas que ensinam a ler em profundidade cada obra sem afrontar sua construção única, e a compreender a literatura em sua dimensão coletiva, envolvendo acumulação, avanços, retrocessos, debate e constituição de grupos.

Preparado como ninguém para realizar a difícil tarefa de examinar convergências e especificidades irredutíveis no campo dos estudos sociológicos sobre literatura e no da crítica literária, Antonio Candido, como se sabe, formou-se em sociologia antes de mudar de campo e fundar o departamento de teoria literária da usp. Seu estilo, contrário a todo rebuscamento, a lisura das posições e o empenho didático desagradaram os amantes do obscurantismo, da visão da literatura como pura inspiração e feito estritamente individual.

Numa tonalidade despretensiosa e desanuviada, o autor organiza séries históricas e explicita e discute posições teóricas, reavivando o debate sobre um assunto que havia sido moda e logo passaria a tabu. Ao fazê-lo, recoloca a questão das relações entre literatura e sociedade em novos termos, pois para ele se trata de compreender não só os vínculos entre a força imanente da literatura e as circunstâncias histórico-sociais que sobre ela incidem, ou a partir dela se constroem, mas também de reivindicar como ponto central para a crítica literária a investigação dos modos pelos quais tais circunstâncias confluem para a forma das obras. Note-se de passagem que, assim, o autor armava o alicerce de seus grandes ensaios posteriores, como “Dialética da malandragem” e “De cortiço a cortiço”, ambos em O discurso e a cidade.

Vale lembrar que, historicamente, a compreensão das relações entre literatura e sociedade havia sido pautada, na crítica naturalista do século XIX, por uma visão da obra como produto diretamente condicionado pelo meio, pelo clima, pela raça, via de regra perpassados, como se sabe, pelo ranço violento e preconceituoso de um cientificismo eugenista. De outro lado, a corrente crítica que se oporia a tais abusos, o estruturalismo, que entraria em voga nos anos 1970, alçava a especificidade da obra literária a mito, encarando-a como mônada fechada ao trânsito de seus significados no mundo, das influências da história, da sociabilidade e da vida em seus múltiplos aspectos sobre os materiais, a configuração particular e os sentidos da criação literária. O leitor não demora a perceber que esse volume de 1965 desbasta o terreno, desfazendo antinomias até hoje não inteiramente superadas, adiantando-se ao debate que nos anos seguintes visaria a expulsar das obras a história e até mesmo a interpretação de seus dados estruturais. Além disso, que já não seria pouco, Antonio Candido identifica linhagens e problemas que envolvem as particularidades da história literária num país atrasado como o Brasil.

“Crítica e sociologia”, ensaio de abertura do livro, delimita o terreno e o interesse de abordagens distintas. De um lado, a visada sociológica (interessada, por exemplo, nas condições de produção e de recepção de uma obra, no papel social da arte em determinada sociedade, na função social, ou mesmo política, do escritor). De outro lado, a crítica literária, ou a análise particularizada, atenta a procedimentos técnico-formais e à maneira como os dados externos passam à estrutura interna de cada obra literária, num movimento de decifração e imaginação cujo percurso, quando bem-sucedido, deve levar a uma renovada interpretação da obra, abrindo trilhas hermenêuticas e reconfigurando nossa própria cognição das dinâmicas da sociedade e da história. O livro começa, dessa maneira, desmontando o ponto de vista corrente, paralelístico no que tange às relações entre literatura e sociedade, a fim de corrigir a compreensão que reduz tal nexo à mera verificação, no poema ou no texto de ficção, do que a história já conhecia previamente, ou, no melhor dos casos, à descoberta de novos dados sobre a sociedade, presentes como assunto na literatura. 

Isto é, em capítulos como o acima citado, ou como “A literatura e a vida social”, “O escritor e o público”, Candido recupera o interesse da sociologia como disciplina auxiliar para a compreensão das circunstâncias que envolvem uma obra. Mais do que isso, ele coloca em prática tal abordagem, identificando e organizando linhas formativas, de acumulação e continuidade na história literária, seja de um estilo, de um conjunto da produção em terminado tempo e espaço, seja da posição e função social específicas de escritores; seja, ainda, da maneira como os aspectos sociais envolvem a vida artística e literária em seus diferentes momentos. De modo pioneiro e organizador, Candido preocupa-se em delimitar o largo terreno das relações entre literatura e sociedade. E, não menos importante, o faz construindo um princípio para a abordagem crítica que respeite o caráter único das obras em sua relação com a história social, distinguindo os objetivos da análise sociológica do escopo da análise crítica. 

No processo, velhos conceitos são desempoeirados, como no caso da recepção, entendida não apenas como fenômeno posterior, completamente externo à configuração literária, e sim como momento final da feitura da obra. Ou como no caso da pergunta sobre a influência exercida pelo meio social na obra de arte, que passa à mão dupla quando o crítico se pergunta também como a obra influenciou determinado meio social, ou como ela plasmou determinado meio, criando seu público específico. 

Nos capítulos de história literária, a exemplo de “A literatura na evolução de uma comunidade”, Candido adota uma perspectiva diacrônica e retoma, expandindo ou particularizando a partir de novos objetos, encadeamentos formativos da literatura brasileira (que continuam atuando mesmo depois que ela se formou), articulados como sistema de relações entre autor, obra e público, para além das manifestações literárias “soltas”, como mostra esse estudo sobre a constituição de um sistema literário paulista. 

Em “Literatura e cultura de 1900 a 1945”, o grande capítulo de história literária desse livro, ganha corpo uma ideia reguladora que será proeminente por todo o século XX na crítica materialista brasileira: a “dialética do localismo e do cosmopolitismo”. Até o primeiro momento modernista, mostra Antonio Candido, os programas literários oscilaram entre a ênfase local e a universal, em busca de constituir uma literatura brasileira; ora procurando responder ao dilaceramento próprio à identidade do país de passado colonial, ora empenhando-se em atingir o patamar estético e o estado atual das técnicas e tendências dominantes nos países europeus. O capítulo examina linhas centrais, afinidades e dissonâncias no naturalismo, na literatura decadentista ou de permanência (entre 1900 e 1922), assim como o surgimento de um pensamento brasileiro no ensaísmo dos anos 1930, tributário da literatura, e o refluxo mais conservador, estética e politicamente, da Geração de 45. 

Romantismo e modernismo são considerados fases culminantes da afirmação de uma cultura local, nas quais contradições não deixaram de atuar: a busca de novas formas expressivas e de uma linguagem própria, mesmo pari passu com a descoberta do país real (no caso do modernismo), supunha ainda passar por modelos europeus ou por condutas disruptivas engendradas além-mar, sem prejuízo, porém, da originalidade com que autores trabalharam a matéria social, a sociabilidade particular, a paisagem e a cultura locais, como componentes da forma artística. 

Vale ressaltar que o capítulo inaugura, fora dos rodapés de jornal, um pensamento sobre o primeiro tempo modernista. Em sua fase heroica, aponta o autor, os modernistas conquistaram a libertação de uma série de recalques históricos, sociais, étnicos, trazidos à consciência literária. Tal conquista, a do “desrecalque localista”, produziria então uma síntese entre o localismo e o cosmopolitismo. Deixando de lado a posição de inferioridade, marca do anterior diálogo com Portugal e com a Europa, os modernistas passaram a perseguir um novo tipo de particularismo, que se afirmou em oposição a todo academicismo, “a começar pelo de casa”. Se na Europa daqueles primeiros decênios do século XX as vanguardas encontraram nas culturas originárias novos enunciados formais e angulações para olhar criticamente o processo modernizador e a própria ordem burguesa, no Brasil os traços pré-modernos “se mistura[va]m à vida cotidiana ou [eram] reminiscências ainda vivas de um passado recente. As terríveis ousadias de um Picasso, um Brancusi, um Max Jacob, um Tristan Tzara, eram no fundo mais coerentes com a nossa herança cultural do que com a deles”. “Reencontrando a influência europeia por um mergulho no detalhe brasileiro”, os modernistas atinavam, de modo insuspeitado, para um tipo ao mesmo tempo local e universal de expressão, o qual deixava de lado o patriotismo ornamental, para dar ênfase à pesquisa do país de contrastes.

Lado a lado com tais estudos, Antonio Candido vai formulando, nos ensaios mais empenhados teoricamente, uma noção avançada de forma, que não se reduz às técnicas arregimentadas por uma obra (como sustentariam as leituras mais formalistas). Trata-se de um conceito cuja ênfase recai justamente no vínculo entre literatura e mundo, ao ver na passagem transformadora dos dados externos da realidade à estrutura interna da obra o momento de uma configuração específica, na qual a instabilidade de elementos e sentidos se resolve numa unificação dialética.

Uma vez que a matéria sócio-histórica se tornou componente de uma estrutura literária, sublinha o autor, a obra pode ser estudada em si mesma; mais do que isso, somente pelo estudo da forma será possível apreender a leitura que uma determinada composição fez dos aspectos sociais. (Note-se entre parênteses que a formulação era avançada não só no âmbito do debate brasileiro — àquela mesma altura dos anos 1950, quando escreveu a maioria dos capítulos desse volume lançado em 1965, outro crítico eminente, Theodor Adorno, chegava à célebre definição da forma literária como “conteúdo social sedimentado”, em sua Teoria estética.)

Além dos inegáveis avanços teóricos desse livro, e de seu cuidadoso exame da história literária, a atualidade de Literatura e sociedade está no espírito livre com o qual Antonio Candido analisa a força, as fraquezas, as dificuldades e ganhos cognitivos da cultura de um país de contrastes gritantes. A literatura é um direito, defendeu o crítico em diversas ocasiões, especialmente durante a elaboração da Constituição de 1988, no artigo “O direito à literatura” e na palestra “A literatura e a formação do homem”. Sem preconceitos ou nacionalismo — o nacionalismo é uma das matérias examinadas no livro, quando a literatura tomava para si a infinda tarefa de contribuir para a formação do país —, o pensamento esclarecido de Antonio Candido não deixa de oferecer ao leitor a sensibilidade para outras luzes. Vejam-se as lindas passagens, no capítulo 3, em que analisa a força concreta das imagens ligadas aos alimentos na poesia dos povos originários e a diferença em relação a imagens semelhantes, despidas de sua natureza específica, em poemas cujos autores não participaram diretamente da obtenção dos meios de vida.

Milena Britto é Professora na Universidade Federal da Bahia e pesquisadora visitante na University of California, Berkeley. Dedica-se, entre outros temas, a pesquisas sobre gênero, literatura e estratégias de legitimação no campo literário. Além da carreira acadêmica, tem atuação em políticas públicas para a área de literatura e é crítica literária e curadora de diversos projetos culturais. Compõe, com Fernanda Bastos, a dupla de curadoras da Flip 2023.

FERRAMENTAS CRÍTICAS

Milena Britto

Entre as inúmeras razões para lermos o crítico Antonio Candido nos dias atuais está a sua preciosa capacidade de compreender o estado artístico, político e cultural do longo período em que viveu. O crítico foi atual até o seu último instante de vida, e sua vasta produção, além de nos legar contribuição indispensável tanto no trato estético quanto no olhar social sobre o Brasil, nos permite conhecer um elenco de escritores e de obras brasileiras muitas vezes relegados ao esquecimento por circunstâncias aleatórias, como se vê em vários textos de A educação pela noite. Nesse livro, o crítico se permite tanto escrutinar obras e escritores que formam a tradição literária brasileira como buscar as pistas literárias desprezadas pelo meio intelectual de épocas passadas, indo atrás, também, de quem leu mal ou inadequadamente esse nosso passado intelectual.


“Mas, além das ideias teóricas gerais, convém sempre indagar quais são os conceitos particulares que um crítico usa”, cravou Candido no ensaio “Fora do texto, dentro da vida”, e nada mais instigante a se fazer, nestes tempos conflituosos, do que isso. A educação pela noite é uma pedra bem pontiaguda que nos atinge em cheio e nos incita a olhar, desde onde estamos, para trás, para cima, para o lado, ou, como o próprio Candido faz ao ler Álvares de Azevedo, nos convida “à explosão dos fantasmas brotados na treva da alma” brasileira. O título desta reunião de ensaios não poderia ser mais genial, pois trazer João Cabral de Melo Neto e sua educação pela pedra para as noites cifradas do Romantismo estranho de Álvares de Azevedo tem muito mais força pedagógica sobre como fazer uma crítica “à moda brasileira” do que podemos imaginar.


Passados muitos anos desde que conheci a obra, quando ainda tateava pelos corredores do curso de letras, outra vez me assombro ao reencontrá-la enquanto eu própria tento, agora como professora, trazer por meio da literatura algum sentido para a “nação” em que nos organizaram como uma força artificialmente coerente, a qual temos por obrigação desorganizar, no nosso caso, sob a luz da crítica e das ferramentas contemporâneas à mão de cada um, como teorias decoloniais, feminismos, interseccionalidades, procedimentos estéticos atuais e novas desconstruções da tradição. Ora, isso é crucial, mas não há nada de novo nesse gesto: ao lermos um ensaio como “Literatura de dois gumes”, encontramos ali uma profunda vontade crítica e sensibilidade estética do professor Antonio Candido para encarar revisões necessárias.  


É fenomenal que uma obra, a despeito de algumas ausências — vozes que estavam orbitando o cânone e não faziam (não fazem) parte dele justamente porque a literatura, situada no âmbito discursivo, é reflexo das dinâmicas de poder, como ele próprio sinalizou de diferentes maneiras —, nos dê âncora, método e ferramentas para destrinchar o dentro e o fora das obras literárias, justamente no momento em que a compreensão da literatura como um sistema cheio de armadilhas e de enganos sobre nós mesmos, coletivo unido pela “identidade brasileira”, se faz ponto de partida.


Nos doze ensaios que compõem o livro, Candido prossegue com a sua característica de tratar o texto literário ao nos fornecer metodologias e ferramentas de crítica em dois principais níveis analíticos, mostrando cada um distinto do outro, mas, ao mesmo tempo, trançados entre si. Ao analisar e revisitar o cânone brasileiro, ele situa as obras em seu contexto social de produção e também de legitimação (enquanto obra que entra no cânone bem depois do seu próprio tempo), desnaturalizando a sua consagração como “objetiva” e “imortal” e iluminando os regimes políticos e culturais que lhes deram esse lugar. Muitas vezes o crítico aponta as fraquezas, manias e miopias de quem fazia a crítica para indicar as distorções que podiam surgir dali. Como não dar uma boa risada ao vê-lo observar certo mau gosto brasileiro e alinhá-lo a características como as que nota em Sílvio Romero, que “não policiava a sua vaidade nem renunciava ao prazer de falar de si a qualquer propósito”, o que termina afetando a compreensão de suas contribuições, já que “essas declarações e resumos quase sempre pitorescos e invariavelmente provincianos ajudam e ao mesmo tempo atrapalham a tarefa de traçar o seu roteiro”.  


Primeiramente com suas observações oblíquas e depois nos dando ferramentas para “rever” o lugar do cânone no campo literário do Brasil e do mundo, Antonio Candido, nesses ensaios, nos leva para um percurso original dentro da própria obra, mostrando novos rumos de interpretação e crítica, colocando certas publicações em um lugar bem mais complexo, de antagonismos, apagamentos e até violências.


Se, por um lado, o crítico nos fornece recursos para entrar e sair das veias estéticas do texto literário para observá-lo sob a luz dos contextos sociais em que foram produzidos — o que inclui não apenas saber quais temáticas, quais modelos, mas como tudo isso é posto em prática na experiência estética —, por outro nos deixa perplexos diante da constatação da naturalidade com que as obras do cânone brasileiro inaugural foram lidas como uma extensão do corpo pátrio; como a consciência de um pertencimento pela absorção de ideais estrangeiros em uma paisagem, um existir, um observar peculiarmente marcado pela diferença local, o que ele cuidadosamente observa em “Literatura de dois gumes”, um de meus textos preferidos dessa coleção. Ao refletir sobre as linguagens, procedimentos e experimentos do Romantismo prolongado em terra brasilis, Candido não apenas se localiza na identificação dada pelo contexto, mas, sobretudo, naquilo amarrado a situações históricas, já que “no Brasil a literatura foi de tal modo expressão da cultura do colonizador, e depois do colono europeizado, herdeiro dos seus valores e candidato à sua posição de domínio, que serviu às vezes violentamente para impor tais valores”. Em vez de refletir uma rica produção que expressa a complexidade da cultura brasileira, essa literatura “do ângulo político pode ser encarada como peça eficiente do processo colonizador”.


O próprio Candido, ao explorar de maneira brilhante as implicações decorrentes de o ideal romântico europeu ser o ponto de partida para mapear o nosso Romantismo, vai se debatendo elegantemente — o que dá gosto de ver, pois há um investimento real na observação dos nós estéticos e estilísticos — para encontrar um jeito de falar sobre essa produção do período romântico à medida que tenta encaixar Álvares de Azevedo, que supostamente não estaria de acordo com a exaltação da brasilidade credenciada pelo movimento. Ganhamos todos, pois, ao fazer seu exercício de compreensão do que propôs Azevedo com seus frutos estranhos dentro do recorte do Romantismo — Macário e Noite na Taverna —, vamos reaprendendo sobre a criatividade do escritor que procura a sua autonomia na forma, nos usos de vários gêneros literários comuns ao período, especialmente no trânsito entre o drama, o conto, o verso e o romance.


Entre as irônicas abordagens esquemáticas do crítico sobre o modelo romântico e a depuração dos caminhos percorridos por Álvares de Azevedo, podemos reavaliar os lugares de potência do Romantismo no Brasil e trazer alguns escritores sob outras leituras estéticas, afinal, Candido deixa registrada e performatizada em seu ensaio sobre Álvares de Azevedo uma pedrada divina:

"a sua obra foi publicada por assim dizer à revelia, sem que ele pudesse dizer o que considerava pronto e o que era para jogar fora. Em consequência, só podemos ler o seu teatro e a sua ficção em prosa e verso como um conjunto de tentativas e fragmentos, dos quais se destacam Noite na taverna, pela composição mais acabada, e o Macário, como surto de inspiração verdadeiramente criadora."

Esse é um dos instantes em que paramos para admirar o que é captável nas entrelinhas, nos arcabouços do fazer, pois há ali uma demonstração silenciosa de como se constrói a crítica: anacronicamente, na maioria das vezes, e, sendo assim, se mostra incapaz de dar conta dos mistérios da escrita de desejo de quem escreve, pois organizar uma obra para qualquer cânone é um gesto também à revelia de qualquer autor.


Vários ensaios de A educação pela noite nos permitem exercer a crítica dialética que o próprio Antonio Candido defende. Basta revisitar “Os primeiros baudelairianos”, que é precisamente sobre o efeito interpretativo que se pode lançar à literatura nacional a partir de influências estrangeiras e suas prováveis anacronias, para ver o jogo de forças que circunda uma obra em seu tempo e fora dele. Somos, nesse ensaio, permitidos a recriar cenas e influências literárias, para subtrair sentidos de nossos baudelairianos interditados, “o grupo inicial de baudelairianos dos anos 1870 e começo dos de 1880”, que, “embora formado por poetas secundários, talvez represente o único momento em que a presença dos textos de Baudelaire foi decisiva para definir os rumos da produção poética, traçando a fisionomia de uma fase”.


Repassar Luís Delfino, Regueira Costa, Carlos Ferreira, Carvalho Júnior, Arthur de Oliveira, entre outros, termina por nos fazer chegar ao Machado de Assis crítico, que contestava o descompasso no entendimento de Baudelaire por parte dos jovens poetas que extraíam do escritor francês “satanismo atenuado” e “sexualidade acentuada”, ao que Candido tensiona com certa discordância:

"Machado tinha razão formalmente; mas hoje podemos perceber que historicamente a razão estava com os moços que deformavam segundo as suas necessidades expressivas, escolhendo os elementos mais adequados à renovação que pretendiam promover e de fato promoveram. Esses elementos (“o descompassado amor à carne” e o “satanismo” […]) representavam atitudes de rebeldia."

Se não há no jogo o entendimento do lamaçal colonial, não há inovação e ganho. Antonio Candido escolhe o que não foi óbvio, o que não foi marcado pelas características esperadas para aí apontar o valor — e não para derrubar. Em “Literatura de dois gumes”, oferece manancial farto e profundamente iluminador para revisitarmos o período colonial da produção literária do Brasil:

"A literatura desempenhou papel saliente nesse processo de imposição cultural, bastando lembrar que os cronistas, historiadores, oradores e poetas dos primeiros séculos eram quase todos sacerdotes, juristas, funcionários, militares, senhores de terras — obviamente identificados aos valores sancionados da civilização metropolitana. Para eles as letras deviam exprimir a religião imposta aos primitivos e as normas políticas encarnadas na Monarquia; mas, mesmo quando desprovidas de aspecto ideológico ostensivo, seriam uma forma de disciplina mental da Europa, que deveria ser aplicada ao meio rústico a modo de instrução e defesa da civilização."

Assim, Candido captura a grande força da literatura como poder simbólico capaz de produzir e manter hierarquias sociais quando seus mecanismos são monopolizados pelas elites políticas e culturais. No entanto, nesse mesmo ato de socializar o papel da literatura na violenta missão civilizatória, o crítico desnaturaliza e desmonta a sua força como tal.

Revisitar a obra de Antonio Candido, em particular A educação pela noite, é das ações mais produtivas e alegres que podemos ter. Anotar essa obra em diálogo com o passado, o presente e o futuro é nos munirmos de ferramentas preciosas para encararmos o jogo de permanente desconstrução, indagação e reorganização que temos de fazer da nossa cultura, dos objetos artísticos que nos conferem identidade, pertencimento, sentido para além da nossa violenta existência enquanto nação que se sustenta pelo encontro de três culturas tão opostas. Em vários momentos temos a alegria de conversar com esse crítico indispensável, trazendo para seus comentários sobre o apagamento da negritude e sobre a construção de um modelo de herói indígena — nossos calcanhares de aquiles — a crítica cultural contemporânea.


Não apenas devemos ler A educação pela noite como um dos mais bem-sucedidos gestos de acionar estética, crítica, metacrítica, revisão histórica e literária, mas, sobretudo, como a conversa em construção sobre um país tão poderoso culturalmente que mesmo as censuras, intervenções e imposições coloniais não foram capazes de apagar a força inscrita sob a condição colonial, como deixa dito seu autor:

"Nos países da América Latina a literatura sempre foi algo profundamente empenhado na construção e na aquisição de uma consciência nacional, de modo que o ponto de vista histórico-sociológico é indispensável para estudá-la. Entre nós, tudo se banhou de literatura, desde o formalismo jurídico até o senso humanitário e a expressão familiar dos sentimentos. Por isso é difícil delimitar esse universo insinuante e multiforme. Mas a versão unilateral que acaba de ser exposta não causará grande mal, se o ouvinte sair com a certeza de que a realidade é de fato muito mais vasta e complexa, e que só as limitações do conferencista impediram que isto ficasse claro."

Antonio Candido deixou uma marca profunda em várias gerações de críticos e professores de literatura brasileira e, à sua maneira, trouxe as práticas da crítica acadêmica para a nossa realidade intelectual e social. Que os leitores de agora que tentam decifrar o lugar da literatura brasileira no mundo — e o lugar dos nossos mundos plurais na literatura — leiam e aproveitem A educação pela noite.

Ana Luisa Escorel é designer, editora e escritora. Formada pela Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro, atuou por dois anos como designer jr. no escritório de Aloísio Magalhães e como freelancer até constituir o A3 com Evelyn Grumach e Heloisa Faria, com quem mais tarde fundou o 19 Design e a Ouro sobre Azul Design e Editora. Publicou diversos livros, entre eles, A formação de Antonio Candido, uma biografia ilustrada e Ex-libris. Este último venceu o Prêmio Jabuti em 2015.

HISTÓRIAS DE FAMÍLIA

Ana Luisa Escorel

1



A origem do interesse de Antonio Candido por um burocrata do segundo escalão, ativo em boa parte do reinado de d. Pedro ii, reside no fato de que descendia dele por via materna. Antônio Nicolau Tolentino era bisavô de Antonio Candido e, assim, na pesquisa que realizou para pôr de pé Um funcionário da monarquia, combinou a curiosidade pela história do país com a curiosidade pela história da própria família. Porque para Antonio Candido, a relação com os antepassados se dava de forma diversa do que ocorria à volta dele no círculo dos conhecidos, dos amigos e dos parentes. O interesse pela maneira de ser e pelos traços biográficos dos que o antecederam no universo familiar, pelas histórias que os cercavam, contadas e recontadas ao longo dos anos com maior ou menor fidelidade; pelas passagens interrompidas por hiatos que ele se empenhava em preencher, levantando hipóteses no desejo de suprimir lacunas; o compromisso de recompor a teia das relações no interior dos ramos diretos ou colaterais, dos quatro costados e também entre um dado tronco e os que chegavam de núcleos familiares externos, assim como a curiosidade pelo destino e pelo comportamento de gente nascida em outro tempo, revelava uma atração em nada parecida com a situação usual um tanto automática, digamos assim, normalmente restrita ao conhecimento de um passado próximo.


De fato, na maioria dos grupos familiares brasileiros — e isso talvez seja uma das marcas de países novos, como o nosso —, não obstante a extração social, costuma-se chegar a algum conhecimento das origens até os avós, no máximo. Nesse terreno, as noções da maioria não vão muito adiante, não se arriscam trajetórias familiares adentro nem mostram capacidade para refletir sobre as causas, as consequências e os fatos determinantes dessas trajetórias. Por outro lado, a norma tende a pender para o enaltecimento dos antepassados, seja no plano moral, seja no plano social, tendência que passava ao largo de Antonio Candido ao examinar as várias circunstâncias e o comportamento de seu ramo de origem, a cujos membros se referia por um viés ora crítico, ora filtrado pelo tipo de camaradagem que costuma marcar o convívio entre velhos conhecidos, como se toda uma gente, morta havia dezenas de anos, fizesse parte das relações próximas dele, tal a intimidade com que a tratava.


Ainda a respeito do fascínio pelos mais velhos e suas histórias, Antonio Candido contava que, em menino, tinha o hábito de ficar sentadinho perto dos adultos, seduzido pelas prosas infindáveis e, tanto nas visitas que os pais recebiam, quanto nas visitas a que ia, levado por eles, quando se entrava pelas divagações próprias de qualquer conversa sem rumo preciso — algumas inadequadas para a escuta de uma criança —, havia sempre quem, ao se dar conta da atenção do menino, pedia cuidado na condução dos assuntos.

 

Vale a pena lembrar, também, que na infância de Antonio Candido a expressão oral, por meio da conversa, era a via por excelência de sociabilidade: através dela a história familiar era transmitida e as informações iam passando de grupo em grupo, de geração em geração. E como provavelmente um dos fatores estruturantes da personalidade de Antonio Candido tenha sido o convívio com comunidades familiares vindas de culturas muito diferentes — a paterna refletia os hábitos da pequena oligarquia agrária de Santa Rita de Cássia, cidadezinha ao sul de Minas; a materna havia sido caprichosamente tecida por gente escovada da corte —, para o menino, a justaposição dessas duas experiências teria permitido um considerável enriquecimento da visão de mundo. E fosse na província, fosse na capital, era principalmente por meio do trato direto e da prosa que as relações sociais se davam, fixando sentidos, determinando a posição dos grupamentos familiares e, no interior deles, o lugar de cada uma das figuras que os compunham. Porque, sem internet, sem televisão, pouco cinema, rádio, telégrafo e telefone, contando apenas com esparsos periódicos impressos, para seguir o curso dos acontecimentos, as pessoas se viam condenadas, por assim dizer, à relação face a face, às longas trocas pessoais, meios privilegiados através dos quais a informação ganhava legitimidade para circular. Por outro lado, talvez faça sentido chamar a atenção para mais uma circunstância, nessa tentativa de entender o apego de Antonio Candido pelo universo da cultura familiar e, nesse universo, pelo fator genealógico, certamente tomado por ele como fonte importante de conhecimento de si mesmo, do próximo e do país.


Tendo nascido e crescido nesse ambiente, anterior ao estouro das tecnologias da comunicação, manteve-se, ao longo dos anos, fiel ao contato direto, ao qual acrescentava boa dose de interesse pelo interlocutor — fosse quem fosse —, interesse que acabava batendo, a partir de certa altura da conversa, justamente na esfera da genealogia e na busca das origens do outro. E assim era que, transposto um prólogo de certa neutralidade, pautado pelas normas da cortesia, a cada novo encontro costumava ir, indagações adentro, atrás dos dados familiares do recém-chegado, isso quando já não os conhecia de antemão. Porque o arsenal de informações que enfeixava acerca de grupos de indivíduos de toda espécie era único, resultado, entre outras causas, desse empenho em situar, nos respectivos contextos, as relações que ia fazendo ao longo da vida, como forma de aproximá-las de alguma maneira dele próprio e, também, deixá-las à vontade, mostrando, ao mesmo tempo, interesse e respeito pela procedência e pela maneira de ser de todas. De tal forma que, pertencesse a pessoa a uma família de certo destaque na escala social, ou tivesse extração modesta, não apenas a curiosidade de Antonio Candido se mantinha a mesma, como o trajeto palmilhado pelo grupo de onde o outro vinha acabava sendo revelado por Antonio Candido, não raro melhor conhecedor de aspectos da genealogia da pessoa à sua frente do que ela mesma, passando a desfiar, para alguém no mais das vezes perplexo, histórias que lhe diziam respeito e das quais, no entanto, nunca tivera notícia.


Nesse sistema de comunicação a figura do parente mais velho aparecia dotada de grande importância já que, tendo aproveitado muito pouco a presença dos avós — dois mortos antes que ele nascesse, dois outros mortos ele pequeno de tudo —, era ao pé das tias, dos tios e dos primos, vindos antes dele, que Antonio Candido se detinha, tomado pelos relatos muitas vezes expostos com exageros de berloques, penduricalhos elaboradíssimos com que a distância do acontecido tendia a enfeitar a memória. Mas se no trato com essa pequena multidão — de parentes dele, de Gilda, de amigos e de todos com quem viesse a conviver mais de perto — Antonio Candido tivesse chegado a desenvolver um tino apurado, distinguindo com facilidade as versões fantasiosas das verossímeis no tocante à história familiar de cada um, de vez em quando acabava vítima do excesso de confiança na própria argúcia, derrapando nas curvas de narrativas que o induziam a juízos inexatos sobre os próprios antepassados, tendendo a dar valor a alguns, sendo restritivo em relação a outros, nem sempre com base em dados objetivos, mas por conta de um prisma caprichoso originado na resistência ao modo de ser de ramos familiares, por alguma razão, pouco simpáticos a ele.


Assim, a partir do que ouviu e interpretou dessa escuta — à qual juntou uns tantos dados documentais que, já adulto, se impôs levantar e descrever em Um funcionário da monarquia —, valorizava muito um dos bisavôs maternos — nascido em 1810, falecido em 1888 —, self-made man de origem social obscura, que fez carreira pública brilhante no Segundo Império, opondo-o a parentes de outros ramos, situados em troncos muito bem postos, bastante respeitáveis e consideravelmente prósperos. Mesmo tendo conhecimento de um gesto cometido por esse bisavô idealizado, em nada comparável — porque pior — aos inofensivos desfrutes de outros ramos familiares, por exemplo, ao qual era crítico dado um conjunto de pequenos deslizes sem maior gravidade.

 

De fato, esse bisavô — Antônio Nicolau Tolentino — sempre chamou a atenção de Antonio Candido justamente por ter chegado a altos postos administrativos, apesar dos inícios mais que nebulosos. Foi ou filho de agricultores modestos, da região de São Gonçalo, em Niterói; ou produto da ligação ilegítima de uma senhora respeitável com um religioso de projeção, na hierarquia da Igreja brasileira; ou, ainda, personagem possível de outro enredo, diverso dos anteriores, já que nunca se soube qual dessas histórias continha alguma dose de verdade. Ao que tudo indica, Tolentino trancou a sete chaves a verdadeira origem e tudo o que corre em volta desse assunto não passa de especulação, tendo sido registrado como filho de Francisco José Tolentino e de Ana Maria do Amor Divino, segundo consta em Os chefes do executivo fluminense, de Luiz Lacombe (Petrópolis: Museu imperial, 1973, pp. 26-7). E embora tenha feito uma ascensão notável — chegou à presidência da província do Rio de Janeiro, a  mais importante do Império —, na escalada social não hesitou em tentar se ver livre de uma chapeleira italiana com quem viveu bom tempo e com quem teve duas filhas — ambas, diga-se em seu benefício, devidamente reconhecidas. O propósito dessa tentativa pouco edificante era, com certeza, desobstruir o caminho rumo ao casamento com uma herdeira rica, fato que fecharia, para Tolentino, o ciclo da ascensão social e, por isso, tentou se ver livre da pobre, sendo impedido por um político atuante na área dos assuntos da imigração que, conhecendo os motivos para o repatriamento, barrou-o sem hesitar, deixando à tal senhora a companhia das filhas de quem Tolentino ensaiou separá-la, mostrando uma frieza de sentimentos em nada condizente com a descrição que se fazia dele como homem reto e gentil, dotado de extrema afabilidade no trato com todos. Acrescente-se a esse perfil mais que suscinto de um funcionário público de conduta irrepreensível — que não teria se contaminado, apesar do longo convívio, com os vícios da nata do poder, no Brasil daquele tempo — traços negativos, próprios da hegemonia masculina que, até hoje, põe e dispõe de tudo ao redor, definindo e manejando a seu modo a dinâmica dos valores e dos costumes, em âmbito planetário.


No tocante às causas profundas das dificuldades enfrentadas por Tolentino, nos rumorosíssimos embates nos quais se envolveu no decorrer da vida pública, Antonio Candido polvilha ao longo do texto de Um funcionário da monarquia três hipóteses, aventando: a origem social nebulosa, volta e meia usada como pretexto para desacreditá-lo e atacá-lo pessoal e profissionalmente; o estrito compromisso com a qualidade, o bom andamento e a eficiência do serviço público, condições malvistas tanto por políticos quanto por uma extensa categoria de funcionários, ambos grupos que se aproximavam da burocracia do Estado antes de mais nada para usá-la em benefício próprio; certa dificuldade em lidar com questões atinentes à diplomacia política, para a qual não se sentia talhado, mesmo que ela fosse um prolongamento natural dos altos cargos que veio a ocupar.


Como não fosse político, mas um burocrata aplicado na tentativa de moralizar o serviço público através da instituição de carreiras pautadas por normas precisas de ingresso e progressão, Tolentino buscou livrá-las da dependência do clientelismo, tão corrente no Brasil do Segundo Império como continua sendo até hoje; livrá-las de situações que propiciavam as práticas corruptas em todas as esferas da administração pública: circunstância análoga àquela com a qual ainda se convive no Brasil, entra ano, sai ano. E sob esse aspecto Um funcionário da monarquia é exemplar porque expõe, com minúcia, uma chaga que não fecha jamais, perpetuando-se, não obstante a tintura ideológica dos que respondem pelo poder, em muitas de suas formas e categorias.


Nos processos penais descritos no livro por Antonio Candido, com fartura de detalhes, fica evidente a relação simbiótica entre corrupção e clientelismo, dinâmica arraigada no serviço público no Brasil daquele tempo, que o bem-intencionado funcionário, apesar do empenho, não conseguiu dobrar, dada a solidariedade inquebrantável entre os vícios de comportamento das classe dominantes e a ineficiência de uma burocracia venal, posta onde sempre esteve para servir aos interesses do privilégio e atender, basicamente, ao trem de vida dos de cima.





2



Outra face do livro que talvez valha a pena observar consiste na solução dada a seus aspectos materiais e à migração do texto, de um formato puramente artesanal para outro, resultado de seriação mecânica.


Publicado em 1985 como apostila impressa em mimeógrafo — com tiragem de 35 exemplares, distribuída pelo autor entre alguns amigos e descendentes de Tolentino —, por volta de 1999 o texto foi cedido à recém-criada Ouro sobre Azul, vindo se constituir, em 2002, no segundo lançamento da editora.


Naquela altura o propósito era, entre outros, fazer da Ouro sobre Azul um canal para a edição de livros ilustrados, por conta da ideia de que o leitor, de maneira geral, tendia a fruir a imagem como dado decorativo e não, segundo convicção da editora, como informação com grau de relevância equivalente ao texto.


Essa conduta, na qual se assentou, desde o princípio, a atividade editorial da empresa no tocante ao aspecto gráfico dos produtos que editava e, mais particularmente, à valorização da imagem como fonte relevante de informação, respondia a um princípio de projeto que, naquele momento, a Ouro sobre Azul buscava praticar.


Nessa trilha, para a edição de Um funcionário da monarquia, armou-se uma equipe em torno do eixo da pesquisa iconográfica, informada por um exaustivo levantamento extraído de centenas de indicações acerca de imagens, sugeridas pelo texto. A partir daí, a orientação dada à pesquisadora contratada foi de que mantivesse o foco em material, sempre que possível, inédito, limite que colocou para ela um universo novo de questões já que, até ali, não havia atuado em equipes chefiadas por designers, nem estava habituada ao campo de condições valorizadas por essa categoria profissional: sua prática tinha se dado principalmente como apoio a obras de cientistas sociais. Por isso estranhava muito quando, diante do pedido de que buscasse registros de um dado figurão do Segundo Império, mencionado por Antonio Candido, e indo atrás da obra do litógrafo Sébastien Auguste Sisson — fartamente utilizada pelos estudiosos brasileiros do século xix —, via suas sugestões recusadas pela equipe de design comprometida, ao mesmo tempo, com a qualidade visual da imagem e seu ineditismo. Passado pouco tempo, no entanto, a pesquisadora acabou inoculada pelo vírus e, quando voltava das incontáveis visitas pelos arquivos do Rio de Janeiro, locais privilegiados de material para o período tratado no livro, a primeira frase que soltava, com expressão vitoriosa, antes mesmo de mostrar o que tinha conseguido era: “Imagem inédita!”, revelando, com isso, ter sido conquistada pelo espírito da editora.


Resultado: anos depois, comparando o volume mimeografado — folhas manchadas, soltando-se a cada passagem de página, papel áspero arranhando o tato — com o livro produzido e impresso com extremo cuidado editorial em todas as suas etapas, o leitor pode experimentar o alcance de um projeto gráfico consciencioso e seu potencial de enriquecimento das intenções do autor. Porque o texto nunca deixou de ser, sem tirar nem pôr, o mesmo escrito por Antonio Candido tanto na versão em mimeógrafo quanto na primeira edição ilustrada. A diferença recaía na riqueza imagética proposta que trazia a reconstituição de toda uma época por meio de objetivos de projeto precisos que, somados à generosa iconografia, mergulhava o leitor no tempo retratado, alargando as fronteiras do conteúdo proposto pelo autor.


Não foi por outro motivo que Antonio Candido, como tantos intelectuais, meio avessos ao livro ilustrado como fonte mais que legítima de informação, depois do produto impresso, não conseguia parar de folheá-lo, encantado com o prazer de tê-lo entre as mãos: “Este livro está me fazendo muito mal: tenho um mundo de coisas para tratar e não consigo me desprender dele!...”.

 

Ainda num terceiro trajeto do mesmo texto, esse título voltou ao formato despido de imagens da versão mimeografada e foi reimpresso em tamanho menor para atender a Roberto Schwarz, que aconselhara à Ouro sobre Azul torná-lo accessível a estudantes numa edição barata, que veio a público em 2007, em mais uma reviravolta do mesmíssimo original. Isso porque Roberto destaca Um funcionário da monarquia como um estudo exemplar sobre o clientelismo e a corrupção, circunstâncias crônicas no interior das instituições brasileiras, devendo, por consequência, chegar ao conhecimento do maior número possível de leitores.

 

Finalmente, como já disse Antonio Candido em algum lugar, os livros têm seu fadário e, o destino deste, tem sido descolar-se do âmbito privado dos parentes e dos amigos próximos para continuar alargando seu público como ensaio sagaz sobre os procedimentos perversos do primeiro, do segundo e de todos os escalões — existentes e por existir — ativos na burocracia brasileira desde sempre.

Giovana Xavier é escritora, bailarina e professora da faculdade de educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É historiadora dedicada ao estudo da história intelectual de mulheres negras e autora dos livros História social da beleza negra (2021), Maria de Lourdes Vale Nascimento: uma intelectual negra do pós-abolição (2021) e Você pode substituir mulheres negras como objeto de estudo por mulheres negras contando a própria história (2019).

PISTAS PARA RESSIGNIFICAR UMA OBRA COM A "PARTE NEGRA DA HISTÓRIA"

Giovana Xavier

"Ela do mundo só conhece a parte negra e tem uma vaga lembrança do belo e doce, que no entanto deve ter experimentado inicialmente no seio da família; por isso não sabe dobrar-se à persuasão de que Deus lhe quer bem, mesmo dando-lhe tantas amarguras; e embora culta e estudiosa, acha que a existência humana é uma simples excursão nesta terra."
Antonio Candido, Teresina etc.



Teresina etc., de Antonio Candido, é um livro audacioso, inovador e inquietante. Audacioso porque seu célebre autor investe na missão de tratar de temas díspares em uma só brochura. Daí me dou conta de que estou diante de uma pegadinha: sentada de frente para um livro com muitos outros dentro — e será preciso lidar com todos eles.


Como leitora, acompanhei abismada o movimento intelectual do escritor, de dar vida a verdadeiras empreitadas: biografar a trajetória da amiga Teresa Maria Carini (1863-1951), ativista socialista italiana que migrou para o Brasil nos anos 1890 junto com o marido, o violoncelista Guido Rocchi; cobrir a história de movimentos sociais de esquerda e de direita como anarquismo, socialismo, integralismo e fascismo, a partir da apresentação das ideias de personagens de referência como Edgard Carone, Karl Marx, Plínio Salgado e Mussolini; percorrer a evolução do pensamento social brasileiro, mapeando as ideias de pensadores como Mário de Andrade, Gilberto Freyre, Machado de Assis, Olavo Bilac, Sílvio Romero; analisar a obra Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda; e, por fim, contextualizar, por meio de um balanço crítico, o surgimento e o desenrolar da revista literária Clima, com seus treze números que circularam em São Paulo entre abril de 1941 e novembro de 1944.


Minha inquietação no diálogo com Candido provém do “impulso de afetividade” que me moveu na leitura, para usar uma categoria buarquiana que o próprio autor de Teresina etc. assinala. Como uma historiadora da história intelectual de mulheres negras, quero dizer: é inquietante ler 160 páginas em que mulheres negras inexistem como objeto, muito menos como sujeitas de conhecimento.

 

Em diálogo com Saidiya Hartman (Vidas rebeldes, belos experimentos. São Paulo: Fósforo, 2022) e seu conceito de “fabulação crítica da história”, autorizo-me, diante da minha inquietação, a traçar conexões entre Antonio Candido (1918-2017) e Carolina Maria de Jesus (1914-77). Uma dupla de intelectuais que, além de contemporâneos, estavam engajados numa mesma causa: interpretar o Brasil e sua história.


Candido, à luz de uma história intelectual de “homem cordial”, usando uma categoria de Sérgio Buarque de Holanda, forjada em sua rica trajetória em universidades, movimentos literários, viagens pelo Brasil e pelo exterior. Já Carolina, iluminada pelo que entendo ser a sua magnífica “ciência do lixo”, que lhe respaldou para tecer um sentido de intelectualidade singular, sentido esse pautado na sua experiência de mulher negra da classe trabalhadora que, contrariando a tudo e a todos, deu uma lição de equilíbrio, definindo o papel e as letras como prioridades de vida do pobre. No best-seller Quarto de despejo: Diário de uma favelada, a escritora, fazendo uso do seu lugar de intérprete, analisa a desigualdade: “Eu classifico São Paulo assim: O Palácio é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde (as pessoas ricas) jogam os lixos”.


Ler Teresina etc. “sem jogar fora o bebê com a água do banho”, como diria minha avó, levou-me a pensar menos em antirracismo, machismo etc. e mais em criatividade, observando processos de produção de conhecimento relacionados a temas muito bem trabalhados no livro: arte, biografia, emancipação feminina, guerra, literatura, movimentos sociais, produção científica, entre tantos outros, esmiuçados a partir do que Candido reconstitui das subjetividades da amiga na primeira parte do livro, “Teresina e os seus amigos”. Em seguida, observando seu próprio ponto de vista de escritor, leitor e intelectual público, talhado em sete pedaços: “Radicais de ocasião”, “Feitos da burguesia”, “O congresso dos escritores”, “A verdade da repressão”, “Integralismo = fascismo?”, “Raízes do Brasil” e “Clima”. Tais temas e as ferramentas analíticas usadas pelo autor são inspiradoras para pesquisar a “parte negra da história” como parte da história do Brasil.


Conectar intelectualmente Candido e Carolina nos ajuda a enxergar que é uma perda tanto para pessoas negras quanto brancas que a categoria “intérprete do Brasil” esteja restrita ao masculino, branco, heteronormativo, de idade avançada — ou, nas palavras de Candido, “os homens que estão um pouco para cá ou um pouco para lá dos cinquenta anos”. Saímos perdendo a dimensão humana da história, com a diferença que a comunidade negra tem um histórico de desvantagens que nos empurra a “fazer uso criativo da margem”, como assinala a socióloga Patricia Hill Collins (Pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo, 2019). Um uso ilustrado pela possibilidade de colocar Carolina Maria de Jesus e Antonio Candido para partilharem em um mesmo texto seus pontos de vista sobre o Brasil. Ação intelectual que dá sentido à minha presença nesta brochura e que, sem dúvida, também se justifica pela admiração e reconhecimento que nutro por Antonio Candido e seu legado à história brasileira.


Lembrei-me do encanto que, como estudante de história na Universidade Federal do Rio de Janeiro (ufrj) no final dos anos 1990, suas proposições em A formação da literatura brasileira despertaram em mim. Tanto que, inspirada por elas, dediquei os primeiros anos de minha caminhada científica ao estudo da literatura como documento histórico. Origina-se daí minha dissertação de mestrado Coisa de pele: Relações de gênero, raça e mestiçagem feminina na literatura brasileira (1890-1910), defendida em 2003 no programa de pós-graduação em história social da uff, orientada pela professora Rachel Soihet, historiadora da primeira geração de feministas brasileiras, contemporânea de Antonio Candido.


Além de me fazer lembrar de meu processo de formação acadêmica, Teresina etc. acendeu-me novas formas de pensar o Brasil da virada do século xix para o século xx. Ao biografar em minúcias a história pessoal e a trajetória ativista de uma mulher, imigrante italiana, amante das óperas “leves e cômicas” como as de Pergolesi, Mozart e Donizetti, e apaixonada por gatos (tanto que fazia pequenos amuletos com “unhazinhas e bigodinhos” antes de enterrá-los), Candido comprova o quanto podemos aprender com as mulheres, suas histórias de alegrias, lutas e sofrimentos. Um arquivo humano negligenciado pela ciência tradicional, pretensiosamente neutra.


Ao praticar o generoso gesto de biografar Teresina, amiga com quem conviveu entre os anos de 1931 e 1951, conforme atestam cartas e cartões postais trocados entre ambos, Candido nos deixa passear por capítulos da história do Brasil que vão desde a epidemia de febre amarela na virada do século até as lutas pela “emancipação política e sexual” feminina, passando pela criação da Liga Operária Internacional, em 1914. Tudo isso sob a ótica de uma mulher que morreu acreditando que “livro era feito para circular” e que se referia ao Partido Socialista Brasileiro como “o nosso partido”.


O sensível e dedicado trabalho de reconstituição das subjetividades de Teresina explica por que Antonio Candido ocupa um lugar especial em meu coração. Trata-se de um autor inspirador para a escrita de novas histórias em um caminho pavimentado pela certeza de que, nas palavras da grande Carolina Maria de Jesus, “quem não tem um amigo, mas tem um livro, tem uma estrada”.

Max Gimenes é sociólogo, professor e pesquisador. Tem graduação e mestrado pela usp, onde desenvolve atualmente pesquisa de doutorado a respeito da trajetória intelectual e política de Antonio Candido, sobre quem já publicou diversos textos. É membro do Grupo de Estudos Antonio Candido e Gilda de Mello e Souza do Instituto de Estudos Brasileiros da usp. Foi editor assistente nas editoras LeYa Brasil e Planeta de Livros.

VÁRIOS ESCRITOS, UMA PREOCUPAÇÃO

Max Gimenes

Vários escritos reúne textos bastante diversos de Antonio Candido. Basta observarmos algumas informações sobre os doze ensaios que compõem a obra para constatarmos sua abrangência: anos de redação que variam da década de 1960 à de 1990; origens que remontam desde a aulas e palestras até a capítulos de livros e artigos em revistas científicas; temas que vão da sociabilidade literária de nossos poetas árcades à face política de um de nossos mais importantes críticos de cinema…


Por trás dessa aparente variedade, contudo, há algo mais profundo que assegura a unidade do livro. Trata-se do humanismo do autor, em especial a forma concreta de manifestação desse humanismo em um intelectual que era, afinal de contas, um crítico literário na periferia do capitalismo. Assim sendo, o compromisso universal com a emancipação humana assume, em Antonio Candido, ao menos duas expressões particulares: por um lado, a do crítico literário brasileiro, comprometido politicamente com a formação inacabada da nação enquanto uma democracia moderna frente aos obstáculos de seu passado colonial e escravista; e, por outro, a do brasileiro crítico literário, comprometido profissionalmente com a literatura e a defesa de sua autonomia relativa contra os perigos da subordinação às demais esferas da vida social, inclusive a política. Da tensão latente entre essas expressões de seu humanismo surge a preocupação essencial do livro: encontrar o equilíbrio entre esses compromissos, isto é, compreender se e como a produção intelectual, em suas dimensões artística ou científica, pode contribuir com a modernização e a democratização da nação, sem prejuízo às regras próprias de valor de cada um desses domínios especializados.


Nesse sentido, existem dois movimentos complementares em Vários escritos. O primeiro é mostrar como grandes obras literárias podem contribuir de algum modo com os processos mais amplos de democratização nacional ou de emancipação humana independentemente da intencionalidade de seus autores. Fazem parte desse movimento principalmente os textos da primeira parte do livro, que se debruçam sobre grandes escritores brasileiros, como Machado de Assis, Oswald de Andrade, Drummond, Guimarães Rosa, Basílio da Gama e demais árcades mineiros. Já o segundo movimento é mostrar como a ação política orientada por ideias universais de emancipação, para ter sucesso num tempo e lugar determinados, depende do conhecimento concreto de seus obstáculos locais, o que poderia ser proporcionado pela produção intelectual nacional, sobretudo aquela realizada a partir de pressupostos radicalmente democráticos. Fazem parte desse movimento os textos da segunda parte do livro, que se dedicam a temas como a relação da literatura com os direitos humanos; a importância de uma tradição de pensamento democrático radical no Brasil; as flutuações do sentido político da palavra “nacionalismo” entre a direita e a esquerda no país ao longo do século xx; a relação do conhecimento acadêmico iniciado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo com aquela tradição de pensamento radical; o significado democrático radical do livro Raízes do Brasil; a face política do crítico de cinema e colega de geração Paulo Emílio Sales Gomes, pioneiro na busca teórica e prática de um socialismo democrático no Brasil.


Vale notar que Paulo Emílio foi quem iniciou Antonio Candido na militância propriamente dita no começo da década de 1940, tornando-se seu mentor político e lhe comunicando a ideologia que adotaria não apenas naquele contexto, em pequenos agrupamentos de esquerda e no antigo Partido Socialista Brasileiro (PSB), mas para o resto da vida, incluindo sua participação, já a partir dos anos 1980, no Partido dos Trabalhadores (PT). Se todos os textos anteriores estavam num registro por assim dizer mais negativo, ou seja, destacando como a produção intelectual em geral poderia servir para a tomada de consciência e a crítica concretamente fundamentada da realidade existente que se quer transformar, este último ensaio, escrito em 1986 para um livro de homenagem, vai além disso e se coloca num registro por assim dizer mais positivo, sugerindo a doutrina que parecia ao autor a mais consequente como orientação para a ação política comprometida com a construção de uma nação democrática de fato. E essa doutrina seria, justamente, aquela formulada por Paulo Emílio:

"um socialismo democrático, mas combativo, orientado pela situação brasileira, não pela política soviética; preocupado com os meios específicos de resolver os nossos problemas; partindo de premissas marxistas mas abrindo-se para as conquistas do pensamento e da experiência política do tempo."

Para compreender melhor esse duplo movimento, existem dois textos-chave em Vários escritos, que são aqueles que abrem sua segunda parte: o clássico ensaio “O direito à literatura”, onipresente nos currículos de letras Brasil afora e que sustenta e ilumina teoricamente o primeiro movimento; e “Radicalismos”, ensaio menos conhecido porém não menos importante que faz o mesmo em relação ao segundo movimento. Vejamos então, brevemente, o que Antonio Candido diz em cada um deles.


“O direito à literatura” é produto de uma palestra realizada em 1988 num evento da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo da Igreja Católica e foi originalmente publicado no ano seguinte em um livro coletivo a respeito da temática dos direitos humanos. Isso faz todo o sentido quando nos lembramos do contexto de redemocratização do país e de mobilização da sociedade civil para a retomada de direitos, o que ganharia forma definitiva com a Constituição de 1988, após os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte instalada no ano anterior. O ensaio de Candido, então, buscava intervir nesse debate, discutindo, de ângulos diferentes porém complementares, a relação da literatura com os direitos humanos.


Em primeiro lugar, o crítico busca responder à seguinte questão: poderia a literatura ser considerada um direito humano, isto é, algo que, numa sociedade justa, deveria ser inscrito em leis e garantido pelo Estado? Para tanto, seria necessário antes saber se ela corresponde a uma necessidade humana. Adotando então uma definição de literatura a mais ampla possível — “todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura” — ele argumenta que sim: “Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as 24 horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado”. Correspondendo a uma necessidade, a fruição da literatura em todas as suas modalidades constituiria então um direito que deveria ser assegurado a todos, pois do contrário acarretaria mutilação à existência, que afinal não é feita apenas de necessidades físicas, como alimentação, moradia e vestimenta, mas também de necessidades espirituais, como a arte e a literatura.

 

Em segundo lugar, busca responder a outra questão: poderia a literatura funcionar como instrumento consciente de luta pelos direitos humanos? Para isso, o crítico faz antes uma discussão sobre a natureza da literatura e a função que ela desempenha ao satisfazer aquela necessidade humana de fabulação. Para ele, a literatura teria uma função humanizadora, de formação da personalidade, porém não de acordo com objetivos previamente estabelecidos como na instrução ou na educação, e sim de maneira livre e complexa como a própria vida que ela transfigura. E faria isso mediante a atuação simultânea dos três aspectos que a compõem, considerando que a literatura, para Candido, é: 1) uma forma de conhecimento intencional ou mais frequentemente latente que resulta da 2) expressão de emoções ou visões de mundo que 3) precisam antes ser organizadas e construídas, enquanto objeto, de acordo com o enquadramento de uma convenção de estilo que lhe assegura generalidade e permanência acima das contingências específicas que lhe serviram de estímulo. O crítico argumenta, então, que o primeiro nível humanizador da literatura é proporcionado pela própria construção formal:

"A produção literária tira as palavras do nada e as dispõe como todo articulado. Este é o primeiro nível humanizador, ao contrário do que geralmente se pensa. A organização da palavra comunica-se ao nosso espírito e o leva, primeiro, a se organizar; em seguida, a organizar o mundo."

Ao contribuir para desmistificar a realidade, revelando o outro como um ser fundamentalmente igual ou mostrando a miséria em que muitos desses outros vivem mesmo numa sociedade cujo avanço técnico já permitiria resolver tal problema, a literatura tornaria as desigualdades menos aceitáveis e, nesse sentido, colaboraria com o progresso no “sentimento do próximo”, que seria um pressuposto da luta pelos direitos humanos: “Porque pensar em direitos humanos tem um pressuposto: reconhecer que aquilo que consideramos indispensável para nós é também indispensável para o próximo”. Com isso, Candido busca afastar a ideia perigosa de instrumentalização política, como se só a literatura intencionalmente comprometida com os direitos humanos contribuísse para o seu avanço, o que a história literária desmente.

 

“Radicalismos”, por sua vez, também é resultado de palestra realizada em 1988, porém no Instituto de Estudos Avançados da usp, e foi publicado pela primeira vez dois anos depois na revista da mesma instituição. O ensaio busca responder à questão da existência e da importância de ideias radicalmente democráticas no Brasil, entendendo o pensamento radical como o oposto do conservadorismo predominante e o qual reage aos estímulos dos problemas sociais de maneira progressista. Essas características seriam possíveis de avaliar de acordo com alguns critérios, entre os quais é possível destacar a concepção de uma nação autônoma e de uma cidadania ampla que correspondesse ao conjunto da população, sem subordinação política a um imperialismo externo ou a elites internas. Adotando então um raciocínio análogo à sua obra-prima Formação da literatura brasileira, o crítico sugere que o radicalismo não havia se formado no Brasil enquanto sistema, o que seria problemático do ponto de vista da realização de ideias emancipatórias universais no país, pois estas só surtiriam efeito onde pudessem se combinar com um corpo de pensamento democrático radical local. Contudo, haveria no Brasil manifestações de pensamento radical, como por exemplo Joaquim Nabuco, considerado radical provisório enquanto durou a campanha abolicionista, e Manoel Bomfim e Sérgio Buarque de Holanda, considerados radicais permanentes. Essas manifestações radicais seriam importantes de se recuperar e reconhecer como pontos de partida para conhecermos os obstáculos locais à emancipação na formação histórico-social brasileira e, assim, podermos agir concretamente para sua superação: “investigar os traços de pensamento radical é condição indispensável para o exercício adequado e eficiente das ideias de transformação social, inclusive as de corte revolucionário”.


Por fim, faz-se necessária uma explicação. O livro que chega agora pela editora Todavia não é o mesmo que foi publicado pela primeira vez em 1970 e reeditado sem alterações em 1977. A própria composição da obra variou bastante desde então. A principal mudança ocorreu na terceira edição, publicada em 1995, o que a fez praticamente dobrar de tamanho: além da substituição de um ensaio da primeira parte, já publicado em livro anteriormente, por um outro ainda inédito no formato, foi nesse momento que se acrescentou a segunda parte, tornando-o desde então conhecido como um dos livros mais “políticos” de Antonio Candido ao lado de Teresina etc. “Portanto, trata-se praticamente de outro livro, dividido em duas partes”, como afirma o próprio autor em nota à terceira edição. Houve ainda outras modificações mais pontuais na quarta edição, lançada em 2004 e reeditada em 2011 sem alterações: a exclusão de dois ensaios também já publicados anteriormente em livro, “devolvidos”, assim como aquele substituído na terceira edição, para suas publicações de origem, que haviam sido então reeditadas.

 

Essas alterações podem ser contextualizadas na trajetória do autor e na história brasileira para serem mais adequadamente compreendidas. Quando Vários escritos foi lançado, em 1970, Antonio Candido vivia um processo de reaproximação com a política e com as questões sociais, após um período de maior foco nos estudos literários. Essa fase de atuação mais especializada vai do final da década de 1950, depois da defesa de sua tese de doutorado em sociologia, de seu afastamento da militância partidária e de seu início como docente de literatura brasileira na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis — hoje campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp) —, ao final dos anos 1960, após a polarização política do início da década, a ascensão autoritária com o golpe e sobretudo sua consolidação e o recrudescimento com o Ato Institucional n. 5. Nesse novo cenário, a atuação intelectual de Candido volta a se politizar como ocorrera no contexto de luta contra a ditadura do Estado Novo. Primeiramente, essa politização se manifesta de maneira indireta, no âmbito de sua própria atuação especializada enquanto crítico literário, como vimos a respeito da primeira parte do livro, cujos textos foram escritos majoritariamente na segunda metade da década de 1960. Em seguida, passa a se manifestar também como intervenção direta no debate público em torno da redemocratização e seus rumos, como vimos acerca da segunda parte da obra, toda escrita durante a década de 1980.

Num momento em que a reconstrução democrática do país e a luta contra o autoritarismo se colocam novamente na ordem do dia, a leitura de Vários escritos se mostra especialmente oportuna, como contribuição muito valiosa para entendermos o lugar da cultura de uma maneira geral, e da literatura e das ciências humanas em particular, nesse árduo processo.

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