Trecho do livro
Este pequeno livro é feito de ensaios jornalísticos. Tenta re¬correr a um pouco de intuição, história e economia política a fim de observar alguns efeitos ainda circunstanciais e dilemas críticos do desastre da Covid-19. Se tiver alguma valia, será um dos rascunhos do mapa do campo minado e dos abismos da economia do vírus.
O que está do outro lado desta meia-noite é a incerteza de sempre na escuridão adiante, agora mais densa. Porém, deste lado de cá haveria três coisas a dizer sobre o desarranjo internacional que facilitou a invasão bárbara do vírus, sobre quem deve pagar a conta das imensas dívidas públicas deixadas pela calamid
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Este pequeno livro é feito de ensaios jornalísticos. Tenta re¬correr a um pouco de intuição, história e economia política a fim de observar alguns efeitos ainda circunstanciais e dilemas críticos do desastre da Covid-19. Se tiver alguma valia, será um dos rascunhos do mapa do campo minado e dos abismos da economia do vírus.
O que está do outro lado desta meia-noite é a incerteza de sempre na escuridão adiante, agora mais densa. Porém, deste lado de cá haveria três coisas a dizer sobre o desarranjo internacional que facilitou a invasão bárbara do vírus, sobre quem deve pagar a conta das imensas dívidas públicas deixadas pela calamidade e sobre a epidemia que dizima o trabalho, já doente de automação e precarização. Não são problemas novos, claro. Trata-se nestes textos da culminação algo acidental das crises de um tempo em que se tornou cada vez mais frequente a opor¬tunidade ou a obrigação de pensar o impensável, como diz o lugar comum, nem por isso equivocado ou hipérbole ingênua.
O colapso financeiro que começou em 2008 provocara uma reviravolta na teoria e na prática da política econômica. O Es¬tado precisou intervir de modo extravagante a fim de evitar que a finança desabasse de vez sobre a sociedade, embora então ainda prevalecesse a ideia de que em algum momento a vida voltaria ao trilho normal dos negócios. Não voltou, como su¬gerem também os protestos que rodam pelas ruas do mundo desde 2011 e o estado de sítio em que vivem as democracias — os remédios exorbitantes para a Grande Recessão foram ape-nas paliativos e um tanto cínicos. A catástrofe do vírus é de outra espécie, mas provocou uma operação de salvamento econômico ainda mais ampla e heterodoxa, agora não apenas no mundo rico. Além disso, tantas declarações de estado de calamidade e providências excepcionais deram o que pensar: a partir de qual limiar de sofrimento ou risco social se admitem uma emergência e remédios antes inimagináveis, tal como se fez em 2008, 2012 e 2020?