metáforas [der Metaphern (seria em alemão)]

Por Elvira Vigna

Leia "Metáforas", conto revisitado por Elvira Vigna em KAFKIANAS

 

Não que eu saiba de um título “der Metaphern” do Kafka. Achei esse trecho num livro em inglês.

Faz lembrar “A Dream”, do mesmo livro em inglês. 

Sonhos e metáforas é o que mais há em Kafka.

Além de tudo, muitas vezes, os contos nem são contos.

São fragmentos esparsos.

Coisas não consideradas como textos independentes.

E mais uma coisa:

Posso até procurar títulos em alemão desses textos que comento.

Mas não que Kafka tenha escrito em alemão, propriamente. Uma namorada alemã corrigia os textos dele.

Ele escreveu numa mistura de alemão, tcheco e iídiche.

E, terceira coisa:

Kafka nem sequer legitimou a publicação da maior parte dos textos.

Ele morreu e os livros foram feitos pelo Max Brod.

Um amigão lá dele.

Então, ó:

Esse trechinho pode se chamar assim ou não.

Pode existir em alemão ou não.

Pode ter sido intitulado por Kafka ou não.

E, again, metáforas e sonhos é o que mais tem em Kafka. Então pronto.

Esse trechinho está sendo chamado assim por mim de pura orelhada.

E nem se preocupe com purezas de originais, rapapés do cânone.

Kafka não gostava de purezas nem de rapapés.

O trecho “Metáforas” é pequeno e vai aqui inteiro:

 

“Há quem se queixe que sábios falam por metáforas inúteis na vida do dia a dia.

Por exemplo, um deles diz:

‘Você deve tentar chegar ao outro lado do rio.’

Ele não quer dizer que você deve atravessar a ponte, até porque ninguém precisa de um conselho desses, caso queira chegar ao outro lado do rio.

Então, o que o sábio quer dizer é que a travessia sugerida tem um sentido maior, insondável, que ninguém sabe direito qual é. Ou seja, sem utilidade.

Todo um floreio para dizer que o insondável é insondável, o que, aliás, todo mundo já sabia. No dia a dia, não é assim que as pessoas conversam.

Alguém pode dizer:

‘Por que você implica tanto com isso? Se você aceitasse que metáforas são possíveis, você se tornava mais metafórico e insondável e, pronto, se preocuparia com coisas maiores e não teria tanta irritação com as coisas banais do dia a dia.’ E o outro responderia:

‘Posso apostar que isso aí que você disse é uma metáfora.’ ‘Se apostasse, ganharia a aposta.’

‘Ganharia no plano metafórico?’

‘Não, ganharia aqui, no papo concreto. No metafórico, você perderia.’”

 

E fim do trecho do Kafka.

(Suspiro.)

Mas eu completo aqui o que ele não disse.

Tem um jeito de a gente não virar metáfora dos outros. (Virar metáfora é quase sinônimo de perder a subjetividade.)

O jeito que tem é atacar a própria estrutura da linguagem. (E todas as outras estruturas: familiar, econômica etc.) Tem uma coisa que me fala muito de perto.

É a luta para que mulher e gay tenham direitos iguais ao homem.

Homem branco, hétero e de classe média, esse.

Então a luta é a seguinte:

Você não pode ficar berrando que é vítima.

Isso só aumenta a tua condição de vítima.

Também não pode passar batido, sem falar nunca nada. O silêncio só ajuda a ordem dominante.

Só tem uma saída.

Você atacar a estrutura dessa hierarquia idiota entre pessoas. E é isso que Kafka faz sem parar.

Absurdo, sem sentido, e outras coisas que dizem dele.

Ahn, não.

Ele ataca o sentido estabelecido, o território demarcado.

A estabilidade das ordens, das linguagens.

Ele ataca a ideia de que coisas diferentes não se misturam. Misturam, sim.

 

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