Entrevista com Yara Nakahanda Monteiro

Por Equipe Todavia

À Todavia, a autora de ESSA DAMA BATE BUÉ! fala sobre identidade, herança colonial e o silenciamento das mulheres durante a guerra colonial em Angola: "A luta continuou contra o patriarcado e seus estereótipos sobre a condição feminina."

 

 

Seu livro fala das consequências da guerra colonial. Como essa questão afetou particularmente as mulheres?

As lutas de libertação seguiram lado a lado com a emancipação da mulher angolana. Homens e mulheres reivindicavam a construção de um sistema político, social e econômico igualitário. A realidade do pós-guerra foi diferente: a contribuição da mulher angolana no combate armado foi silenciada e como resultado a sua oportunidade para participar da transformação política e social do país, limitada. A luta continuou contra o patriarcado e seus estereótipos sobre a condição feminina.

 

Você acredita que escrever sobre questões pessoais, no seu romance, pode também ter um significado político?

A escrita do meu romance foi a forma que encontrei para meditar sobre a história familiar e suas consequências na construção da minha identidade; àquela altura, eram muitas as perguntas entaladas na garganta. Se entendermos a escrita como um caminho a percorrer, as inquietações pessoais foram o meu ponto de partida. Da paisagem circundante do trajeto narrativo fizeram parte rememorações geracionais — da vida colonial e da guerra da independência em Angola, da migração para Portugal; as minhas vivências, leituras e imaginação. Cada passo dado, no caminho da escrita, é um ato de (re)criação. O livro poderá ganhar um significado político quando a leitora reconhece o resgate de vozes e perspectivas distintas da memória coletiva e da história oficial.

 

Em que medida a viagem de retorno de Vitória é também uma viagem pela identidade fragmentada daqueles que, como uma vez você mesma se definiu, são também “trinetos da escravatura, bisnetos da mestiçagem, netos da independência e filhos da diáspora”?

A frase em questão é, também, portuguesa. A minha geração (e não só) é herdeira do colonialismo português e suas consequências. Vitória, como eu, é descendente dessa identidade considerada fragmentada. Hoje em dia já não sinto ter uma identidade dividida. Vejo-me como resultado de uma união de histórias. É importante existir esse reconhecimento para entendermos que estamos todos “no mesmo barco, na mesma caravela”, e não uns contra os outros. O futuro é coletivo e partilhado. A minha viagem de retorno à mátria, como mulher adulta, surgiu do meu sentimento de não pertencer a um lugar; à necessidade de enraizamento, ao desejo do pé na (minha?) terra, e vontade para deixar de ter o espírito em permanente trânsito intercontinental. (Por curiosidade, partilho ser essa a razão pela qual Vitória sofre de dormência nos pés.) Vitória regressa a Angola à procura da sua mãe, uma ex-combatente da luta armada angolana. Da sua viagem de retorno resultam interrogações sobre pressupostos da identidade feminina, como a prioridade da maternidade e a orientação sexual.

No regresso a uma geografia, a um local, o questionamento sobre quem somos e a nossa história pessoal é inevitável.

 

Como você apresentaria seu livro aos leitores brasileiros?

Essa dama bate bué! é uma história que cruza a busca de uma origem negra e feminina com histórias silenciadas de mulheres combatentes nas lutas de libertação. Desse encontro resulta um questionamento sobre identidade, gênero e herança colonial.


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