Entrevista com Patricio Pron

Por Equipe Todavia

Em entrevista para o Todavia Todo Mês, nosso clube de assinaturas, o autor de AMANHÃ TEREMOS OUTROS NOMES reflete como a natureza dos nossos afetos é marcada pela época em que vivemos.

 

 

Seu livro é uma história de amor com elementos bastante contemporâneos. Você considera que o mundo de hoje alterou nossa vivência afetiva e amorosa?

Nós gostamos de acreditar que a forma como amamos e somos amados não mudou ao longo da história. E, no entanto, mudou, e de forma radical: pelo menos a partir de meados da década de 1940, por exemplo, as mulheres puderam escolher livremente com quem formariam um casal, o que não acontecia antes, quando a família decidia por elas. Felizmente, nos dias de hoje, temos uma visão mais ampla do que o vínculo amoroso e o casal significam, quais suas possibilidades de composição e seu objetivo. Mas, com essas novas ideias sobre o amor, entraram em órbita a precarização do trabalho, as dúvidas em relação ao futuro, as novas tecnologias, a concepção de que pessoas são produtos de consumo etc. Amanhã teremos outros nomes busca responder à pergunta sobre como amamos e somos amados na atualidade, que tipo de novos arranjos são úteis e necessários nesse cenário e de quais talvez devêssemos nos proteger para não perder os direitos e as liberdades que nos constituem como sujeitos autônomos.

 

Qual elemento te fez pensar nessa história? Algum acontecimento provocou essa ideia?

Vários, mas há um que predominou sobre os outros: os relatos de amigos e amigas jovens, que me contaram que, depois de uma relação de alguns anos, ficaram solteiros de novo, mas não entendiam muito bem como e onde encontrar um novo parceiro. As coisas tinham mudado tanto nos últimos anos que eles se sentiam velhos. E, como ocorre com os personagens dessa história, meus amigos procuravam entender o que tinha acontecido no campo da experiência amorosa enquanto estiveram “ausentes”. As concepções de casal, o consentimento, a relação amorosa tinham mudado de tal forma que eles não conseguiam assimilar direito o que tinha acontecido nem sabiam como se apaixonar de novo e formar um casal em um cenário completamente diferente do que tinham conhecido.

 

Você geralmente evoca o passado histórico ou acontecimentos traumáticos nas suas narrativas. O que representou para você ter escrito uma história tão contemporânea?

O presente tem uma dimensão histórica que tendemos a esquecer; afinal, o que somos é produto do que fomos, e compreender o passado talvez seja a única maneira de entender como chegamos ao ponto em que estamos agora, como indivíduos e como sociedade. Narrar os acontecimentos traumáticos do presente (e também os que talvez não sejam tão traumáticos, mas ridículos) me pareceu, e ainda me parece, uma forma de entender quais serão no futuro esses “novos nomes” do título que iremos dar ao amor e como seguiremos em frente.

 

O Brasil acaba aparecendo um pouco no livro. Conte-nos sobre a sua visão do país.

Sim, as visitas recentes ao Brasil (e, em particular, uma a Brasília, onde se passa parte da narrativa) foram muito importantes para mim durante a escrita. Foram visitas curtas, claro. E, ainda que eu procure estar informado sobre a produção literária brasileira e de outras áreas artísticas e leia com muito interesse (e preocupação) as notícias que chegam do país, não poderia dizer que sou um especialista. Visto de fora, o Brasil parece um país complexo demais para ser reduzido a uma única interpretação ou visão geral. Mas continuo achando que é um país fascinante e não me surpreende que muitos o considerem o país do futuro: é como um espelho do resto do mundo, ainda que um espelho que esteja no futuro, que nos devolva uma imagem que não é a nossa agora, mas a que teremos daqui a alguns anos. É “o espelho de Dorian Gray” da América Latina e de muitos outros países, e eu queria que os personagens do meu livro contemplassem a si mesmos nesse espelho, mesmo que por um breve momento. O que acontece com eles no Brasil os transforma para sempre.

 

Como você definiria seu livro?

Acho que a literatura, para além de entreter, distrair ou divertir, pode servir para nos fazer pensar sobre coisas que não pensamos com frequência, ainda que tenham grande impacto sobre nós: talvez não ofereça respostas, mas é possível que nos ajude a fazer perguntas melhores, o que com certeza já é uma grande coisa.

Meu livro é, nesse sentido, um convite para que pensemos coletivamente sobre como amamos e somos amados neste momento, que tipo de coisas condicionam a maneira como estabelecemos vínculos amorosos, qual o papel das novas tecnologias nas nossas vidas e o que podemos fazer para que a violência, o abuso, a ignorância e outros fenômenos que, infelizmente, caracterizam a experiência amorosa de muitas pessoas (principalmente das mulheres mais jovens) deem lugar a novas formas de amar mais justas, menos nocivas e que nos permitam nos sentir mais livres, em uma sociedade também mais livre e plural.

 

TRADUÇÃO Sheyla Miranda

 

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