Casquinha de noz
O autor de O IMPOSTOR conta como é lançar um livro em meio à pandemia
Em novembro de 2019, quando deixei em mãos de André Conti, meu editor na Todavia, o manuscrito de O impostor, um romance curto no qual eu vinha trabalhando havia dois anos, eram inúmeros e seguramente trágicos os desafios com que nos deparávamos no mundo e no Brasil. Mas nenhum deles tinha, remotamente que fosse, algo a ver com um vírus devastador de origem desconhecida.
No princípio de março passado, contudo, meu livro, já modesto em número de páginas, passou a encolher ainda mais por força da pandemia. Pois esta crescia com violência pelo mundo afora, trazendo em sua esteira uma desolação em escala inédita. E acarretando a necessidade de repensarmos, individual e coletivamente, nossas vidas e prioridades.
Foi nesse contexto que meu romance deixou de ser uma obra adicional em uma linha de produção literária e voltou a concentrar nossas atenções. Não mais como um livro, mas como uma casquinha de noz perdida em meio à tempestade. O que fazer dela? Que destino dar a nosso projeto editorial?
Enquanto isso, porém, nas profundezas do livro, algo de mais curioso ocorria: meus personagens também se perguntavam o que bem poderia estar se dando à volta deles. Já que sua história se passa, em parte, na Itália. E esta, para além de minhas páginas, ressurgia, por força da pandemia, totalmente transfigurada.
Teria a ficção que os embalava e alimentava –– indagavam-se eles ––, forças para se contrapor à realidade? Como imaginar que a casquinha de noz na qual haviam todos embarcado de boa-fé, confrontada a esses múltiplos flagelos, alguns reais, outros imaginários, pudesse encontrar abrigo entre os leitores em momento de tal forma adverso?
A resposta, felizmente, encontra-se no livro.
Pois a minha também é uma história movida a incertezas. E quando a maior de todas se abate sobre o texto, sacudindo-o com a força de uma erupção vulcânica, realidade e ficção se dão as mãos.
Meu personagem, preso a dimensões paralelas, às quais tenta escapar continuamente, não parte em busca do Vesúvio –– em cuja cratera um antepassado seu desaparecera no início do século passado. Parte em busca da esperança.
Amparado pelo afeto.
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Três perguntas para Edgard Telles Ribeiro:
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Jornalista, diplomata, cineasta e professor de cinema, Edgard Telles Ribeiro é autor de onze livros, entre eles os premiados OLHO DE REI e HISTÓRIAS MIRABOLANTES DE AMORES CLANDESTINOS. Seus romances foram publicados nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Espanha e Austrália.