A invenção da juventude

Por Luís Augusto Fischer

Como O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO captou o surgimento do adolescente

Até 1940 mais ou menos, não existia adolescente: era-se criança até um certo ponto, e depois, adulto. Mulheres casavam com quinze anos, homens com dezoito; estudava-se comumente não mais de 10 anos e já se era responsável pela vida. Foi ali pela Segunda Guerra que mudou a compreensão da coisa; em inglês havia o sufixo “teen”, que facilitou a identificação deste novo momento da experiência humana: entre treze e dezenove havia uma idade de transição, com marcas e exigências próprias. Um artista captou no ar essa novidade e deu a ela a dignidade da grande arte narrativa. Foi J. D. Salinger, com O apanhador no campo de centeio (1951).

Salinger viveu, na carne e na alma, a experiência da Segunda Guerra, que não foi como outras porque, horror novo, ocorreu dentro das cidades mais sofisticadas da Europa. Algo ali se quebrou para sempre; o Ocidente não poderia continuar o mesmo.

Da dor à arte, o passo inteligente e sensível de Salinger não foi apenas contar a história de um adolescente norte-americano, em doída crise radical com a autoridade da escola e da família — tema que viria a ser recorrente no cinema, no romance, na canção dali por diante —, mas houve mais: Salinger deu a palavra a esse adolescente. Em contexto afastado da guerra em si, mas sob a mesma teia de época, sofrendo a mesma tensão que tomou conta do Ocidente, Holden Caufield nos conta, como uma confissão agressiva e um choro desconsolado, a sua visão da vida. Onde neste mundo pode haver alegria genuína? Onde resta o bom coração que deveria existir nas pessoas? 

Talvez não mais na vida real. Mas justamente para isso temos a arte. Para isso temos a reiterada emoção da adolescência, tão parecida com a vida de Holden, que vive as dúvidas agudas e as tormentosas perguntas que atropelam todos nós.

 

Luís Augusto Fischer é professor de literatura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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