A era do “Instagram Face”
Como as redes sociais, o FaceTune e a cirurgia plástica criaram um look único e ciborguiano
No verão passado, reservei uma passagem de avião para Los Angeles, com a esperança de investigar o que parece ser um dos mais estranhos legados da nossa década que chega rapidamente ao fim: o surgimento gradual, entre mulheres bonitas profissionalmente, de um rosto ciborguiano. É um rosto jovem, certamente, com uma pele sem poros e as maçãs do rosto cheias e altas. Tem olhos de gato e cílios longos e caricaturais; tem um nariz pequeno, certinho, e lábios carnudos e exuberantes. Te olha de maneira tímida, mas inexpressiva, como se tivesse tomado meio ansiolítico e estivesse pensando em te pedir uma viagem de jatinho para o Coachella. O rosto é nitidamente branco, mas ambiguamente étnico – como sugere um estudo pressagiador da National Geographic que ilustrou como deverão ser os americanos em 2050, se no futuro todos fossem descendentes diretos de Kim Kardashian West, Bella Hadid, Emily Ratajkowski e Kendall Jenner (que é a cara da Emily Ratajkowski). “É tipo um filhote... de tigre... sexy”, disse Cara Craig, uma cabeleireira-colorista de luxo em Nova York. O maquiador de celebridades, Colby Smith, foi quem me disse: “É o Instagram Face, dã. É tipo uma escultura irrealista. Volume sobre volume. Um rosto que parece ser feito de argila”.
O Instagram, lançado no início da década, em outubro de 2010, possui uma linguagem estética própria: a imagem ideal é sempre aquela que aparece imediatamente na tela do telefone. A estética também é marcada por uma aspiração humana bem familiar, tipicamente bem documentada em álbuns de casamento, apontando para uma uniformidade genérica. Contas como a Insta Repeat ilustram a monotonia da plataforma publicando grades de fotos indistinguíveis postadas por diferentes usuários – uma pessoa de capa de chuva amarela em pé na base de uma cachoeira ou uma mão segurando uma exuberante folha de outono. Algumas imagens simplesmente funcionam.
O corpo humano é um tipo diferente de assunto no Instagram: ele pode ser ajustado, com o esforço certo, para ter um desempenho cada vez melhor. Diretores de arte de revistas já há muito tempo editam fotos de celebridades para melhor atender aos padrões de beleza irreais; agora você mesmo pode fazer isso com suas próprias fotos, recorrendo a poucos toques na tela do celular. O Snapchat, lançado em 2011 e originalmente conhecido como um gerador de mensagens que desaparecem, deve a fidelidade de sua base de usuários em grande medida ao fornecimento de filtros para fotos, alguns dos quais permitem que você se familiarize intimamente com a aparência de seu rosto em uma versão 10% convencionalmente mais atraente – se fosse mais magro ou se tivesse uma pele mais lisa, olhos maiores, lábios mais cheios. O Instagram adicionou uma variedade de filtros de selfie enaltecedores ao seu recurso stories. O FaceTune, lançado em 2013, com a promessa de ajudar a “impressionar seus amigos a cada selfie”, permite ainda mais precisão. Várias contas do Instagram são dedicadas a identificar as mudanças que as celebridades fazem em seus rostos com aplicativos de edição de fotos. Celeb Face, que possui mais de um milhão de seguidores, publica fotos dos perfis de celebridades, adicionando setas para destacar sinais de descuido no FaceTuning. Siga a Celeb Face por um mês, e esse processo constante de aperfeiçoamento começa a parecer mundano e patológico. Temos a sensação de que essas mulheres, ou seus assistentes, alteram as fotos por simples reflexo defensivo, como se o FaceTuning de sua mandíbula fosse o equivalente virtual de checar sua maquiagem no banheiro do bar.
“Acho facilmente que 95% das pessoas mais seguidas do Instagram usam o FaceTune”, conta Smith. “E eu diria que 95% dessas pessoas também passaram por algum tipo de procedimento estético. Dá pra ver essa moda pegando – por exemplo, todo mundo está fazendo levantamento de sobrancelha com Botox agora. A Kylie Jenner não tinha esse espaço em volta das pálpebras, mas agora tem.”
Vinte anos atrás, a cirurgia plástica era uma intervenção bastante drástica: cara, invasiva, permanente e, muitas vezes, arriscada. Mas, em 2002, a Food and Drug Administration (FDA), agência federal norte-americana, aprovou o Botox para uso na prevenção de rugas; alguns anos depois, aprovou enchimentos com ácido hialurônico, como Juvéderm e Restylane, que inicialmente preenchiam linhas finas e rugas e agora podem ser usados para remodelar mandíbulas, narizes e bochechas. Estes procedimentos duram de seis meses a um ano e não são tão caros quanto a cirurgia. (O preço médio por seringa de preenchimento é de 683 dólares.) Você pode até aplicar Botox e voltar pro escritório.
Uma classe de cirurgiões plásticos de celebridades surgiu no Instagram, postando vídeos (time-lapse) de procedimentos injetáveis e fotos do antes e depois, que recebem centenas de milhares de visualizações e curtidas. De acordo com a Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos, os americanos receberam mais de sete milhões de injeções de neurotoxinas em 2018 e mais de 2,5 milhões de injeções de preenchimento. Naquele ano, os americanos gastaram 16,5 bilhões de dólares em cirurgia plástica estética; sendo que 92% desses procedimentos foram realizados em mulheres. Graças aos injetáveis, os procedimentos estéticos não são mais apenas para pessoas que desejam grandes mudanças, ou que estão lutando contra o processo de envelhecimento – são para a geração dos millennials, ou mesmo, em casos rarefeitos, membros da geração Z. Kylie Jenner, que nasceu em 1997, falou em seu reality show Life of Kylie sobre o fato de querer fazer preenchimento labial desde que um garoto comentou sobre seus lábios serem pequenos, quando tinha apenas quinze anos.
Ideais de beleza feminina que só podem ser alcançados através de dolorosos processos de manipulação física sempre estiveram conosco, desde pés pequenos na China Imperial até cinturas finas na Europa do século XIX. Mas os sistemas contemporâneos de autodivulgação visual contínuos – reality shows, redes sociais –, criaram novas disciplinas de autoaperfeiçoamento visual contínuo. As redes sociais impulsionaram a tendência a considerar a identidade pessoal como uma potencial fonte de renda – e, principalmente para mulheres jovens, a considerar o corpo dessa maneira também. Em outubro, o Instagram anunciou que removeria “todos os filtros associados à cirurgia plástica” de seu arsenal, mas isso parece significar todos os efeitos explicitamente associados à cirurgia plástica, como os chamados “Plastica” e “Fix Me”. Os filtros que modelam o “Instagram Face” permanecerão. Para aqueles que nascem com ativos – ativos naturais, ativos financeiros ou ambos – pode parecer sensato, e até automático, pensar seu corpo da maneira que um consultor da McKinsey pensaria uma corporação: identifique setores com baixo desempenho e refaça-os, descarte tudo o que não aumenta os lucros e reoriente os negócios para aquilo que aumenta.
Smith começou a perceber a invasão do “Instagram Face” cerca de cinco anos atrás, “quando os preenchimentos labiais começaram”, disse. “Quando eu fazia a maquiagem de alguém e notava que não havia rugas nos lábios. Todo batom ficava lisinho.” Facilitou seu trabalho, observou ele, maliciosamente. “Meu trabalho era deixar as pessoas assim, mas agora elas chegam prontas, porque são cirurgicamente aprimoradas. É ótimo. Antes a gente tinha que fazer o contorno para ressaltar as maçãs do rosto, agora você simplesmente vai lá e compra.”
Havia algo de estranho, eu disse, sobre o aspecto racial do “Instagram Face” – era como se a tendência algorítmica de transformar tudo em um composto de grandes sucessos tivesse resultado em um ideal de beleza que favorecesse mulheres brancas capazes de produzir uma aparência de exotismo sem raízes. “Com certeza”, disse Smith. “Estamos falando de um tom de pele excessivamente bronzeado, uma influência do sul da Ásia nas sobrancelhas e no formato dos olhos, uma influência afro-americana nos lábios, uma influência caucasiana no nariz, uma estrutura de bochechas predominantemente indígena e do Oriente Médio.” Smith achava que o “Instagram Face” estava melhorando a aparência das pessoas? Sim. “As pessoas estão sem dúvida ficando mais bonitas,” disse. “O mundo está tão visual hoje em dia, está ficando cada vez mais, e as pessoas querem atualizar a maneira como se relacionam com ele.”
Era uma forma otimista de ver a situação. Eu disse a Smith que não podia deixar de sentir que a tecnologia está reescrevendo nossos corpos para corresponder aos seus próprios interesses – reorganizando nossos rostos de acordo com o que aumenta o engajamento e as curtidas. “Você não acha assustador imaginar as pessoas fazendo isso para sempre?”, perguntei.
“Ah, sim, é obviamente assustador”, disse ele.
Beverly Hills é o distrito de cirurgia plástica de Los Angeles. No ensolarado triângulo isósceles – disposto entre as palmeiras e lojas de departamento de Wilshire, e as palmeiras e restaurantes de Santa Mônica –, há um médico, ou vários, em cada quarteirão. Numa tarde de quarta-feira, estacionei meu carro alugado numa pequena garagem de subsolo, perto de uma loja da Sprinkles Cupcakes e do escritório de um vidente elitizado, e me direcionei à consulta que eu havia marcado com um dos cirurgiões plásticos de celebridades mais conhecido, cujos vídeos do Instagram, demonstrando o antes e o depois, costumam atrair meio milhão de visualizações.
Marquei a consulta porque estava curiosa quanto à experiência real de uma suposta paciente da geração Y – um fato que fui obrigada a mencionar várias vezes a meu namorado, que parecia consideravelmente preocupado que eu voltaria parecendo um gato humano. Algumas semanas antes, eu havia baixado o Snapchat pela primeira vez e testado os filtros, que eram realmente muito enaltecedores: me davam uma pele radiante, cílios lindos e um rosto em forma de coração. Ficou claro que quando passo muita maquiagem, estou basicamente tentando criar uma versão disso. E não foi difícil entender por que mulheres da geração millenial, que nasceram tão próximas do “Instagram Face”, procuram continuar se aproximando desse padrão. Em um mundo onde as mulheres são recompensadas pela juventude e pela beleza de um jeito que não são recompensadas por mais nada – e onde uma linha do feminismo convencional ensina às mulheres que a auto-objetificação é progressista, porque é lucrativa – o procedimento estético pode parecer um dos poucos projetos de alto rendimento certeiro que uma mulher poderia empreender.
O escritório do cirurgião plástico era lindo e tranquilo, um oásis prateado. Uma recepcionista, que cantarolava ouvindo I Want to Know What Love Is, entregou a mim os formulários de admissão, que perguntavam sobre fatores de estresse e saúde mental, entre outras coisas. Eu assinei um termo de arbitragem. Um médico assistente fotografou meu rosto de cinco ângulos diferentes. Uma consultora médica com cabelos exuberantes e uma aura extremamente afetuosa entrou na sala. Tendo cuidado para não mentir, e um pouco assustada com o fato de que não precisava, eu disse a ela que nunca tinha feito preenchimentos e Botox, mas que estava interessada em melhorar minha aparência e que queria saber o que os especialistas recomendam. Ela foi elogiosa, dizendo que eu não precisaria de muita coisa. Depois de um tempo, ela sugeriu que talvez fosse bom ficar de olho no meu queixo à medida que envelhecesse, e talvez minhas bochechas também – que talvez fosse bom levantá-los um pouco.
Em seguida veio o médico celebridade, emanando a intensidade de um cirurgião e o foco de um soprador de vidro. Eu tornei a dizer que estava apenas interessada em melhorar minha aparência e queria saber o que um especialista recomendaria. Mostrei a ele uma das minhas fotos com filtro do Snapchat. Ele olhou, acenou com a cabeça e disse: “Deixa eu te mostrar o que podemos fazer”. Ele tirou uma foto do meu rosto com seu telefone e a projetou em uma tela de TV na parede. “Eu gosto de usar o FaceTune”, disse enquanto clicava e arrastava.
Dentro de segundos, meu rosto estava igualzinho o da foto do Snapchat. Ele tirou outra foto de mim, de perfil, a ajustou o queixo mais uma vez. Fiquei com o rosto em forma de coração e as maçãs visíveis. Tudo isso era possível, ele disse, com preenchimento de queixo, preenchimento de bochecha e talvez um procedimento de ultrassom que dissolve a gordura na metade inferior das minhas bochechas – ou poderíamos usar o Botox para paralisar e encolher meus músculos masseteres.
Perguntei ao médico o que ele dizia às pessoas que o procuravam querendo se parecer com suas pacientes mais conhecidas. “As pessoas chegam aqui direto com fotos das minhas clientes mais famosas”, disse ele. “Eu falo: ‘Não consigo te transformar nessa pessoa. Se você é asiático, não posso te dar um rosto caucasiano, eu consigo, mas não seria certo – não combinaria’. Mas se elas me mostrarem uma característica específica que desejam, posso partir daí. Posso dizer: ‘Se você quer uma mandíbula definida, podemos fazer assim’. Mas essas coisas nem sempre funcionam bem para todos. Se você chegasse pedindo uma mandíbula definida, eu diria não – te deixaria muito masculina.”
“Você acha que mais gente da minha idade está procurando esse tipo de procedimento?”, perguntei.
“Acho que há dez anos era visto como um contrassenso fazer isso”, disse ele. “Mas hoje é empoderador fazer algo que te dá uma vantagem. É por isso que as jovens estão nos procurando. Elas vêm para melhorar algo, em vez de vir para consertar algo.”
“E é sutil”, eu disse.
“Mesmo com minhas clientes mais famosas, é muito sutil”, disse o médico. “Se você olhar fotos tiradas com cinco anos de diferença, vai perceber a mudança. Mas no dia a dia, mês a mês, não vai.”
Eu senti que estava sendo ouvida com bastante atenção. Agradeci sinceramente e, em seguida, uma assistente veio me mostrar as recomendações e os valores: preenchimento nas bochechas (5.500 a 6.900 dólares), preenchimento no queixo (mesmo preço), um ultrassom “lipofreeze” para corrigir a assimetria do meu queixo (8.900 a 18.900 dólares) ou Botox na região da ATM (2.500 dólares). Saí da clínica sob o sol de Beverly Hills, rindo um pouco, imaginando como seria ter trinta mil dólares sobrando. Enviei fotos da minha mandíbula retocada para meus amigos e toquei minha mandíbula real, um conjunto de carne e osso de repente opcional.
O cirurgião plástico Jason Diamond foi uma estrela recorrente do reality show Dr. 90210 e tem várias clientes famosas, incluindo Lala Kent, estrela de 29 anos de Vanderpump Rules, que postou fotos tiradas no escritório de Diamond no Instagram e disse à revista People, “Já fiz preenchimento no meu rosto inteiro”. Outra cliente é a Kim Kardashian West, que Colby Smith descreveu como sendo a “paciente zero” do “Instagram Face”. (“No fim das contas, o objetivo é sempre se parecer com a Kim”, ele disse.) A Kardashian, que inspira inúmeras sósias esteticamente alteradas, insiste que nunca passou por uma cirurgia plástica; de acordo com ela, é apenas Botox, preenchimentos e maquiagem. Mas ela também nunca tentou esconder como sua aparência mudou. Em 2015, ela publicou um livro de selfies, intitulado Selfish (egoísta, em inglês), que começa com ela bonita do jeito que um ser humano é bonito e termina com ela bonita à maneira da animação gráfica.
Marquei uma entrevista com Diamond, cujo consultório fica na cobertura de um edifício em Beverly Hills. Na sua mesa de escritório havia um bilhete de agradecimento da Chrissy Teigen. (Estava em cima de dois livros de receitas dela.) Assim como o médico que eu visitara no dia anterior, Diamond, que tem olhos azul-piscina e vestia jaleco preto e óculos de armação quadrada, não se parecia em nada com a caricatura de tabloide de cirurgião plástico. Ele era jovial de um jeito só um pouco surreal.
Diamond havia treinado com uma velha guarda dos principais cirurgiões plásticos de Los Angeles, me contou – pessoas que achavam tabu fazer propaganda. Quando, em 2004, ele teve a oportunidade de aparecer no Dr. 90210, ele decidiu que iria, contra o conselho de sua esposa e de suas enfermeiras, porque, disse ele, “eu sabia que seria capaz de mostrar resultados que o mundo nunca tinha visto”. Em 2016, uma cliente famosa o convenceu a criar uma conta no Instagram. Ele hoje tem pouco menos de 250 mil seguidores. Os funcionários de sua clínica que administram a conta gostam que o Instagram permite que os pacientes o vejam como pai de dois filhos e como amigo, não apenas como médico.
Diamond tinha um website há muito tempo, mas, no passado, seus pacientes famosos não se ofereciam para deixar depoimentos lá. “E, claro, nós nunca pedíamos”, disse. “Mas hoje – é impressionante. Talvez 30% das celebridades que eu atendo simplesmente pedem ou oferecem para nos marcar nas redes sociais. De repente, é de conhecimento público que todas essas pessoas estão passando por aqui. Por alguma razão, o Instagram tornou isso mais aceitável.” O procedimento estético passou a ser visto mais como algo fitness, sugeriu. “Acho que ficou muito mais mainstream pensar em cuidar do rosto e do corpo como parte do bem-estar geral. Agora é meio que entendido que tudo bem tentar melhorar a aparência.”
Havia uma espécie de honestidade cristalina e purificante nessa interseção sofisticada de superficialidade e pragmatismo que eu estava percebendo lentamente. Eu não precisei perder tempo posando como paciente – esses médicos passavam o dia todo se certificando de que as pessoas não sentissem mais que tinham algo a esconder.
Perguntei a Diamond se ele tinha uma opinião sobre o “Instagram Face”. Eu disse: “Sabe, existe esse look – essa coisa meio Bella Hadid, Kim Kardashian e Kylie Jenner que parece estar se espalhando”. Diamond disse que atendia no mundo inteiro e que havia diferentes preferências regionais e não um padrão específico que funcionasse para todos os rostos. “Mas existem constantes”, disse ele. “Simetria, proporção, harmonia. Estamos sempre buscando um equilíbrio no rosto. E quando você olha para Kim, Megan Fox, Lucy Liu, Halle Berry, você vê elementos em comum: as maçãs do rosto com contornos altos, o queixo forte e projetado, a plataforma plana abaixo do queixo que faz um ângulo de noventa graus.”
“O que você acha do fato de que agora é muito mais possível as pessoas olharem para esses rostos de celebridades e pensarem, até que corretamente, que também poderiam ser assim?”, perguntei.
“Poderíamos passar dois dias inteiros discutindo essa questão”, disse Diamond. “Eu diria que 30% das pessoas trazem uma foto de Kim, ou alguém tipo a Kim – tem uma meia dúzia de pessoas, mas ela está no topo da lista, e é compreensível. É um dos maiores desafios que tenho, informar a pessoa sobre se é razoável tentar seguir esse caminho em direção ao rosto de Kim ou a quem quer que seja. São vinte anos de prática, milhares e milhares de procedimentos, explicando cada resposta – quando dá pra fazer, quando não dá, e quando dá pra fazer, mas não é recomendado, por razões diversas.” Eu contei a ele que tinha medo de experimentar preenchimento e nunca mais parar. “É verdade que a grande maioria de nossos pacientes ama os resultados e volta”, disse ele.
Conversamos sobre a palavra “vício”. Eu disse que tingia meu cabelo e usava maquiagem na maioria dos dias e que sabia que continuaria pintando meu cabelo e gastando dinheiro com maquiagem, e que não considerava isso um vício, mas uma escolha. (Pensei numa frase do livro Perfect Me, da filósofa Heather Widdows: “A escolha não pode tornar uma prática ou um ato injusto ou abusivo, magicamente, em um ato justo ou não abusivo”.) Perguntei a Diamond se seus pacientes se sentiam mais eles depois dos procedimentos.
“Eu posso responder isso em parte porque eu também faço essas coisas”, disse ele, apontando para o próprio rosto. “Sabe quando você faz um corte de cabelo muito bom e sente que é a melhor versão de si mesmo? É essa sensação, mas exponencial.”
No caminho para o consultório de Diamond, eu havia passado por um café que parecia familiar: mesas com tampo de mármore claro, piso de madeira clara, uma fileira de espadas-de-são-jorge verde-prússia, luminárias pendentes, azulejos com padrões geométricos. O escritor Kyle Chayka cunhou o termo “AirSpace” para esse estilo de design de interiores levemente atraente, marcado por uma “estética anestesiada” e influenciado pela “grade emocional conectiva das plataformas de redes sociais” – esses espaços virtuais onde centenas de milhões de pessoas aprendem a “ver, sentir e querer as mesmas coisas”. WeWork, o gigante de coworking em colapso – que, como o Instagram, foi fundado em 2010 – certa vez convenceu os investidores de uma visão de 47 bilhões de dólares em que as pessoas seguiriam seus sonhos idiossincráticos enquanto enredadas em uma rede global de quase indistinguíveis escritórios com madeira recuperada, letreiros de néon e árvores de ficus. Marcas focadas no consumidor final preenchem os intervalos dos anúncios de podcast com promessas da verdadeira escova de dentes elétrica e de refeições que chegam pelo correio, vendendo-nos o alívio da renúncia à escolha. A ideia geral parece ser que os seres humanos estão tão ocupados buscando formas complicadas de autorrealização que gostaríamos que grande parte da nossa vida fosse montada para nós, como se fosse um kit.
Fui ver outro cirurgião plástico de Beverly Hills, um que tinha mais de trezentos mil seguidores no Instagram. Eu disse ao médico que era jornalista e que estava lá para uma consulta. Ele estudou meu rosto de alguns ângulos, sentiu minha mandíbula e sugeriu exatamente o que o primeiro médico havia recomendado. Desta vez, os valores foram mais baixos – se eu quisesse colocar tudo no meu cartão de crédito, poderia.
Peguei o elevador com três mulheres muito bonitas que pareciam ter vinte e poucos anos. Na volta pro hotel, me senti triste, subjugada e insegura. Eu pensava estar pesquisando esse assunto a uma distância lógica: que eu poderia habitar o ponto de vista de um cliente ideal da geração Y, alguém que queria se aprimorar, em vez de se consertar, que era ambiciosa e pragmática. Mas saí com um sentimento muito específico, uma espécie de necessidade sem fundo que associei ao início da adolescência e que não experimentava há muito tempo.
Eu usava maquiagem aos dezesseis anos nas minhas entrevistas de faculdade; usava nos meus encontros de ginástica quando tinha dez anos. Nas fotos que tenho nos recitais de balé aos seis ou sete anos, estou usando rímel, blush e batom, e estou muito feliz. Refleti sobre o que significava eu ter passado a maior parte da vida tentando ter um bom desempenho em circunstâncias em que um rosto feminino inalterado é aberrante. Como eu havia sido mudada por uma época em que humanos comuns recebem métricas diárias que parecem quantificar o desempenho de nossas personalidades e de nós mesmos no mercado. Qual seria o fim lógico desse vai e vem crescente entre as melhorias digital e física?
No Instagram, entrei nos perfis dos cirurgiões plásticos que visitei, observando os comentários: “É disso que eu preciso! Preciso ir até você o mais rápido possível!”, “Quero, quero, quero”, “Qual é a idade mínima pra fazer esse procedimento?” Eu entrei na conta de Instagram de uma cantora nascida em 1999, que se tornou famosa quando adolescente e, desde então, havia se dado um rosto totalmente novo. Encontrei um grupo de amigas para jantar em Los Angeles naquela noite, duas das quais já haviam adotado preenchimento como parte de sua rotina de beleza. Estavam lindas. O sol se pôs e as colinas de Los Angeles começaram a brilhar. Tive a sensação de que estava vivendo em um futuro inexorável. Por alguns dias depois, notei que estava evitando olhar meu rosto muito de perto.
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Jia Tolentino nasceu no Canadá, em 1988, e foi criada no Texas, nos Estados Unidos. Formada na Universidade de Virgínia, serviu no Quirguistão pelo Corpo da Paz, experiência relatada neste livro. Foi editora do site “Jezebel” e publicou em veículos como “The New York Times Magazine”, “Grantland” e “Pitchfork”. Hoje, é articulista da revista “New Yorker”.
Este artigo foi publicado originalmente na revista '“New Yorker”, em dezembro de 2019.