A arqueologia do futuro de Joca Reiners Terron
Para o crítico Karl Erik Schøllhammer, A MORTE E O METEORO é uma espécie de exercício de quem já vive o início do fim, em que o país “deitado eternamente em berço esplêndido” ficou para trás
Joca Reiners Terron é um escritor surpreendente. Como autor, nasceu com o século XXI e, embora identificado inicialmente com a Geração 90, sempre procurou um caminho próprio. Tornou-se um operário do texto, não apenas um autor. Escreve mas também traduz, comenta, pensa, edita e interage com o “literário” em um sentido mais amplo.
Criou a Ciência do Acidente, editora heroica, fadada ao fracasso. Atua como blogueiro, cronista e ensaísta. Circula erraticamente entre os gêneros, ficcionalizando o ensaio e ensaiando os formatos da ficção e da poesia.
No panorama nacional evoca e idolatra um parentesco com escritores como José Agrippino de Paula, Valêncio Xavier, Dalton Trevisan e Glauco Mattoso. Em sua insistente procura pelo mistério e pelo estranho inquietante, nos terrenos movediços entre a realidade e a ficção, revela-se também como um autor latino-americano, muito mais do que como um representante da literatura nacional. Nessa perspectiva, sua genealogia traz reverberações de Julio Cortázar, Ricardo Piglia, Juan Carlos Onetti e Roberto Arlt. Ao mesmo tempo, também se acomoda de igual forma na mesa contemporânea de escritores como Horacio Castellanos Moya, Mario Levrero, César Aira e Roberto Bolaño, sempre buscando a criação de um realismo sinistro e particular, despido de romantismo utópico, embora fiel às dimensões do oculto e da epifania profana.
Joca Reiners Terron, ainda assim, escreve sobre o Brasil de hoje, e A morte e o meteoro é uma espécie de exercício de arqueologia do futuro, de quem já vive o início do fim. O país “deitado eternamente em berço esplêndido” ficou para trás e vive-se no presente o dia a dia de um futuro catastrófico. Terron conduz a história à beira de um apocalipse que o leitor reconhecerá como uma velha notícia.
A tribo brasileira dos kaajapukugi enfrenta a iminência do extermínio ocupando o que resta da selva Amazônica, sob a ameaça do garimpo, da grilagem, do tráfico de drogas e da exploração impiedosa de seu habitat. Sobraram apenas 50 representantes do grupo, todos homens no limite da sobrevivência, e o momento é o de uma operação de resgate que visa o refúgio internacional.
No planalto do Sul do México, cabe a um antropólogo, indigenista local, ajudar Boaventura, um sertanista solitário cujo destino se entrelaçou fatalmente com o dos kaajapukugi e que se viu chamado para a missão de protegê-los. Quando Boaventura morre — em circunstâncias obscuras — ao chegar à cidade mexicana de Oaxaca, o refúgio dos índios brasileiros ganha ares de enredo policial que, dali em diante, será protagonizado pelos enigmáticos Índios Metropolitanos, grupo de ação militante inspirado no movimento de revolta estudantil italiano, de Bolonha, nos anos 1970.
A trama de A morte e o meteoro explora o desenho de uma geografia frágil entre povos ameaçados e entre regiões expostas ao desastre no grande continente americano. O extermínio das florestas confunde-se com o sumiço dos besouros alucinógenos, das línguas originárias e de toda uma cosmologia e visão de mundo indígena. Terron inscreve-se na narrativa contemporânea abandonando as grandes cidades e expondo a margem de um apocalipse, que em certas partes do país e do continente tornou-se uma condição cotidiana. Esta obra oferece uma narrativa da resistência em um relato trágico de lealdade e compromisso, vocação e destino, amor e traição.
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Karl Erik Schøllhammer é crítico literário e diretor do Departamento de Letras da PUC-Rio.