Trecho do livro
Não consigo reconhecer nada que justifique minha decisão de hibernar. No começo, eu só queria uns tranquilizantes para abafar meus pensamentos e juízos, já que o bombardeio constante tornava difícil a tarefa de não odiar a tudo e a todos. Achava que a vida seria mais tolerável se meu cérebro demorasse um pouco mais para condenar o mundo ao meu redor. Procurei a dra. Tuttle em janeiro de 2000. As coisas começaram de um jeito muito inocente: eu estava atormentada com minha infelicidade, minha ansiedade e o desejo de escapar da prisão da minha mente e do meu corpo. A dra. Tuttle me garantiu que isso não era nada incomum. Ela não era um
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Não consigo reconhecer nada que justifique minha decisão de hibernar. No começo, eu só queria uns tranquilizantes para abafar meus pensamentos e juízos, já que o bombardeio constante tornava difícil a tarefa de não odiar a tudo e a todos. Achava que a vida seria mais tolerável se meu cérebro demorasse um pouco mais para condenar o mundo ao meu redor. Procurei a dra. Tuttle em janeiro de 2000. As coisas começaram de um jeito muito inocente: eu estava atormentada com minha infelicidade, minha ansiedade e o desejo de escapar da prisão da minha mente e do meu corpo. A dra. Tuttle me garantiu que isso não era nada incomum. Ela não era uma boa médica. Achei seu número na lista telefônica.
“Você me pegou numa boa hora”, ela disse da primeira vez que liguei. “Acabei de lavar a louça. Onde você encontrou o meu número?”
“Nas páginas amarelas.”
Gostava de pensar que havia escolhido a dra. Tuttle ao acaso, que nosso relacionamento estava escrito nas estrelas, de algum modo divino, mas na verdade ela havia sido a única psiquiatra a atender o telefone às onze da noite de uma terça-feira. Eu já tinha deixado uma dúzia de mensagens em diversas secretárias eletrônicas quando ela atendeu.
“A maior ameaça ao cérebro hoje em dia é o micro-ondas”, explicou a dra. Tuttle pelo telefone naquela noite. “Micro-ondas, ondas de rádio. Agora tem essas torres de celular bombardeando a gente em sabe-se lá que tipo de frequência. Mas esse não é o meu campo. Eu lido com o tratamento de doenças mentais. Você trabalha para a polícia?”, ela me perguntou.
“Não, trabalho com negócios de arte em uma galeria no Chelsea.”
“Você é do FBI?”
“Não.”
“Da CIA?”
“Não, por quê?”
“Preciso fazer essas perguntas. Você é do Departamento de Narcóticos? Da Agência de Produtos Alimentares e Medicamentos? Do Departamento Federal de Saúde? Da União de Seguros? É uma detetive particular contratada por alguma entidade privada ou governamental? Trabalha para algum plano de saúde? É traficante de drogas? Viciada em drogas? Você é médica? Estudante de medicina? Está tentando conseguir remédios para um namorado ou empregador abusivo? É da Nasa?”
“Acho que tenho insônia. Esse é meu principal problema.”
“Aposto que também é viciada em cafeína, acertei?”
“Não sei.”
“É melhor continuar tomando. Se parar agora, vai ficar louca. Quem tem insônia de verdade costuma sofrer alucinações, perder a noção do tempo e ter uma memória ruim. Isso pode tornar a vida bem confusa. Acha que é esse o seu caso?”
“Às vezes me sinto morta”, eu disse. “E odeio todo mundo. Significa alguma coisa?”