Trecho do livro
O homem ao meu lado no avião era tão alto que não cabia na poltrona. Seus cotovelos escapavam por cima dos descansos de braço e os joelhos estavam prensados contra a poltrona da frente, fazendo a pessoa sentada nela olhar para trás irritada toda vez que ele se mexia. O homem se contorceu, tentando cruzar e descruzar as pernas, e sem querer chutou a pessoa à sua direita.
“Desculpe”, falou.
Passou alguns minutos sentado sem se mexer, respirando profundamente pelas narinas com as mãos fechadas no colo com força, mas em pouco tempo ficou inquieto e voltou a tentar mexer as pernas, fazendo a fila inteira de poltronas na sua frente sacu
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O homem ao meu lado no avião era tão alto que não cabia na poltrona. Seus cotovelos escapavam por cima dos descansos de braço e os joelhos estavam prensados contra a poltrona da frente, fazendo a pessoa sentada nela olhar para trás irritada toda vez que ele se mexia. O homem se contorceu, tentando cruzar e descruzar as pernas, e sem querer chutou a pessoa à sua direita.
“Desculpe”, falou.
Passou alguns minutos sentado sem se mexer, respirando profundamente pelas narinas com as mãos fechadas no colo com força, mas em pouco tempo ficou inquieto e voltou a tentar mexer as pernas, fazendo a fila inteira de poltronas na sua frente sacudir para a frente e para trás. Acabei perguntando se ele queria trocar de lugar, já que a minha poltrona ficava no corredor, e ele aceitou efusivamente, como se eu tivesse lhe oferecido uma oportunidade de negócios.
“Em geral viajo de executiva”, explicou enquanto nos levantávamos e trocávamos de lugar. “Tem bem mais espaço para as pernas.”
Ele se esticou no corredor e apoiou a cabeça no encosto da poltrona, aliviado.
“Muito obrigado”, falou.
O avião começou a avançar pela pista devagar. Meu vizinho deu um suspiro satisfeito e pareceu pegar no sono quase no mesmo instante. Uma aeromoça chegou pelo corredor e parou em frente às pernas dele.
“Senhor?”, disse ela. “Senhor?”
Ele acordou sobressaltado e tornou a se encolher desajeitadamente no espaço exíguo à frente para ela poder passar. O avião parou por alguns minutos, então avançou, então tornou a parar. Pela janela dava para ver uma fila de aviões esperando a vez. A cabeça do homem começou a pender, e logo suas pernas estavam outra vez esticadas no corredor. A aeromoça voltou.
“Senhor?”, disse ela. “O corredor precisa ficar desimpedido para a decolagem.”
Ele endireitou as costas.
“Desculpe”, falou.
Ela se afastou e aos poucos a cabeça dele começou a pender outra vez. Lá fora uma névoa pairava sobre a paisagem cinza e chapada e parecia se fundir com o céu nublado em faixas horizontais de variações tão sutis que quase se assemelhavam ao mar. Nas poltronas da frente, uma mulher e um homem conversavam. Que tristeza, disse ela, e o homem respondeu com um grunhido. É uma tristeza mesmo, repetiu ela. Barulhos de passos se fizeram ouvir no corredor acarpetado e a aeromoça reapareceu. Levou a mão ao ombro do meu vizinho e o sacudiu.
“Lamento, mas vou ter que pedir ao senhor para manter suas pernas fora do caminho”, disse ela.
“Desculpe”, disse o homem. “É que eu não estou conseguindo ficar acordado.”
“Vou ter que pedir para o senhor ficar”, disse ela.
“É que na verdade não dormi ontem”, disse ele.
“Lamento, mas isso não é problema meu”, disse ela. “O senhor está pondo os outros passageiros em risco ao obstruir o corredor.”