“Vou mostrar a todo mundo como isso é fácil”

Por Paul Laity

Ottessa Moshfegh fala sobre seu romance de estreia MEU NOME ERA EILEEN, que, segundo ela, começou como uma piada: “Eu também não tenho dinheiro e também queria ser famosa”.

 

Por Paul Laity*

 

“Então, aqui estamos. Meu nome era Eileen Dunlop. Agora você me conhece… Esta é a história de como eu desapareci.” 

Meu nome era Eileen, romance de Ottessa Moshfegh, conta a fuga de uma moça de uma cidadezinha da Nova Inglaterra, no nordeste dos Estados Unidos, onde ela passou a vida toda sem ser notada ou amada. A partida se torna possível por causa de uma ruiva sedutora, um ato de vingança, um crime e uma arma: não é surpresa que o livro tenha sido colocado nas categorias “noir” e “suspense psicológico”. 

Só que Moshfegh, quarenta anos, não costuma escrever livros com um quê de Hitchcock. Já faz alguns anos que ela é classificada como uma voz “fundamental” na literatura norte-americana. A combinação de uma “jovem escritora que os escritores amam” com ficção de gênero contribuiu para o alvoroço em torno de Meu nome era Eileen desde sua publicação nos Estados Unidos, em 2015. Ainda mais significativo é o fato de que esse romance intenso e único — bem-humorado e violento ao mesmo tempo —, não é exatamente o que parece. 

Eu estive com Moshfegh na casa dela, em East Hollywood, em Los Angeles, no dia seguinte à notícia sobre a lista dos finalistas do prêmio Man Booker, em 2016. “Meu dia foi difícil”, ela disse, “e eu tinha acordado às três da manhã em estado de pânico, então saí para fumar um cigarro — e eu nem fumo muito. Quando voltei, vi o e-mail do meu agente. E eu apenas respondi: Caralho.” 

Mas a verdade é que Moshfegh (o final do nome se pronuncia “fég”) não ficou totalmente surpresa. Ela fala sem rodeios sobre como Meu nome era Eileen foi uma brincadeira deliberada com o formato da ficção comercial para chamar a atenção de uma grande editora. McGlue (publicado em 2014) e seus primeiros contos até ganharam prêmios, mas não renderam muito financeiramente, e ela “queria escrever um livro para dar início a uma carreira que pudesse me sustentar com a publicação de livros. Essa foi minha motivação principal para escrever Meu nome era Eileen. Pensei: Tudo bem, vou entrar no jogo. E ainda sinto como se estivesse jogando”. 

Ela não queria “abaixar a cabeça” e “esperar trinta anos para ser descoberta”. “Então pensei, vou fazer alguma coisa ousada. Já que tem tanto idiota ganhando milhões de dólares, por que não eu?”, ela diz e dá risada. “Eu disse: Que se foda, o que também queria dizer: eles que se fodam. Eu era bem hostil. Pensei: Vou mostrar a todo o mundo como isso é fácil.” 

Ela comprou um livro chamado The 90-Day Novel [Um romance em noventa dias], de Alan Watt. “É um livro ridículo, diz que qualquer pessoa pode escrever um ótimo romance e, ainda por cima, bem rápido. Pensei: E se eu fizesse isso, o que aconteceria? Então segui o livro por sessenta dias. Era tão chato. Bem, começou como uma piada de todos-que-se-fodam e também não tenho dinheiro e também quero ser famosa. Foi esse tipo de atitude.” Moshfegh faz uma pausa e fica um tanto inquieta — mas volta a dar risada — ao dizer que “o pessoal do Booker vai ficar enojado” sobre colocar nesses termos a revelação em relação à origem de Meu nome era Eileen. 

Mas é claro que “isso só foi o começo, […] depois o livro se transformou em uma obra com vida própria”. Nas mãos de Moshfegh, uma estrutura enlatada de romance foi distorcida e elevada a algo único. 

Para começar, a narradora, uma Eileen idosa que rememora o ano de 1964, faz joguinhos ficcionais. E ao mesmo tempo em que o livro é divertido, com clichês do suspense e da literatura noir, é cheio de frases surpreendentes e engraçadas que só Moshfegh poderia ter escrito. 

Eileen, uma moça de 24 anos, é absolutamente infeliz, cheia de raiva e desprezo por si mesma. Ela acorda ao lado de uma poça de vômito depois de passar a noite bebendo todas. Odeia o pai alcoólatra e deseja que ele morra. Apesar de ser obcecada por sua aparência nada notável, usa as roupas caretas da mãe morta. Ela toca seu próprio corpo e cheira os dedos depois. Ainda não cometeu a ousadia de fazer sexo, mas persegue o homem de suas fantasias e acredita que sua primeira vez seria “forçada”. A casa dela é imunda e sua alimentação é péssima, isso quando come. 

Moshfegh diz que “a maior parte das pessoas que escolhe um livro rotulado de ‘suspense’ ou ‘mistério’ pode não esperar se confrontar com ideias perturbadoras a respeito das mulheres na sociedade. Eu não podia falar, tipo: Este é o meu livro deturpado. Então eu disfarcei a feia verdade em uma espécie de pacote noir bonitinho”. 

A “grande ironia” é que, para ela, “Eileen não é perversa. Acho que ela é totalmente normal. Não escrevi uma personagem depravada; escrevi uma personagem honesta”. 

 

*Este texto foi publicado originalmente no jornal inglês The Guardian, em 2016, e foi gentilmente cedido pela Guardian News & Media para fins de divulgação literária. 

Tradução: Ana Ban 


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