Meu amigo Raul, por Edy Star
Integrante do disco experimental “Sociedade da grã-ordem kavernista apresenta sessão das 10” revisita, neste relato comovente, as memórias da Salvador de Raul Seixas e causos vários ao lado do ex-parceiro de estúdio
Hola Raul...
Estive em Salvador y ali, mais do que em qualquer outro lugar, você povoou minha cabeça...
Fui até aquele Jardim da Saudade mais uma vez, bater cabeça no local onde dizem que estás descansando... coisa que duvido...
Outra vez passei no viaduto que tem seu nome... No Rio Vermelho, junto à igrejinha, fizeram um pequeno palco que também leva seu nome, e nele aos sábados se apresentam bandas de rock, a meninada é boa, alegre y confiante de que dias melhores virão, são muito bons y dignos de êxito.
No Pelourinho existe um santuário seu, no bar Kilimanjaro, na praça Pedro Arcanjo, onde tem um bom palco y muitas vezes apresentações com homenagens a você, sempre lotando o local...
Na avenida Sete ainda temos aquele espaço Raul Seixas...
Na Cidade Baixa fui ao santuário da irmã Dulce, agora santa Dulce dos Pobres, aquela freirinha pequena y doce com quem tantas vezes conversamos. Do complexo faz parte o memorial y a igreja, nosso antigo templo do rock, o Cine Roma... Eu estudava em frente, no Colégio Dom Macedo Costa, numa linda mansão colonial, já derrubada. Na igreja está enterrado o corpo da santa Dulce, y olhando o altar, onde antes era o palco y havia a tela para as projeções dos filmes, fiquei lembrando quantas vezes nos apresentamos ali nas manhãs de domingo, no Festival da Juventude, inventado pelo chefe Waldir Serrão... Veio a lembrança de que estávamos em meio à bagunça no Cine Guarani, na exibição de Ao balanço das horas... quando nos conhecemos ali na Vila Operária da avenida Luiz Tarquinio, na casa do Waldir, e, influenciados pela irmã dele, Lurdinha, que era a presidente do Fã-clube Cauby Peixoto, resolvemos fundar o “Elvis Rock Club”... Sim, desde que passou o filme Prisioneiro do rock, estávamos todos escravos do Rei Elvis Presley... Como todo clube que se preza, havia carteirinhas. Waldir ficou com a número 1, a sua me parece que era a 9, a minha é 27...
É interessante que todas foram rasuradas nas datas de nascimento ou na idade, para serem mostradas aos porteiros e para que pudéssemos assistir a filmes “impróprios” para a nossa real idade... Dessas carteirinhas só existem duas, a sua y a minha, que é perfeita pois tem a frente y o verso com o carimbo do Club...
Recordei os shows em caravana, as matinês nos cinemas de Candeias, Feira de Santana, Serrinha... onde nunca se ganhava nada, mas havia um companheirismo y uma imensa alegria juvenil... Nas poucas vezes que a bilheteria rendia algum dinheirinho, o Waldir desaparecia com o vil metal y nos deixava sem nada... Tudo era tão bom... Ah, Raul, essas coisas que já não vejo mais...
Lembrei dos shows no Balbininho y na Fonte Nova, patrocinados pelo Guaraná Platense... Aquele caminhão armado com um palanque, você y Os Panteras tocavam embaixo y os artistas, morrendo de medo de cair, cantavam na parte de cima. Erasmo Carlos, Wanderléa, Jerry Adriani, Wanderley Cardoso... y até eu cantando uma versão sua para “Satisfaccion” que nem lembro mais...
Depois sumi, me formei em especialista em petróleo y fui trabalhar nos campos da Petrobras, onde não cheguei a trabalhar dezoito meses y abandonei para ir cantar num circo... Daí fui atuar na Rádio Cultura da Bahia, num programa de auditório aos sábados à tarde, y reencontrei você y Os Panteras... Vocês eram a banda, se apresentavam antes de mim y você, Raul, odiava ter que acompanhar aquela bicha doida que enlouquecia a plateia com “La Bamba”... Nas rodinhas de amigos você me esculachava y descobri uma maneira de me vingar: ligava pra sua casa fingindo ser uma fã y ainda fingia curtir as “suas cantadas”... Até que você gravou nossa conversa (naquele gravador Philips), mostrou ao Waldir como um troféu... y ele acabou com a sua alegria: “Pô, Raul, você é besta... Num tá vendo que é Edy?”
Quase apanhei, né Raul? Kkkkkkk... Depois veio o papo, a troca de ideias, de culturas y ficamos amigos pra toda a vida...
Depois você y seu conjunto desceram para tentar sucesso no Rio de Janeiro. Eu fui fazer teatro y ser produtor na TV Jornal do Comércio, no Recife... Em 1969 já estava atuando na TV Itapoan, em Salvador, y, no sábado em que fui expulso da emissora por cobrar meu salário ao vivo no programa, fui para o centro da cidade y ali na frente da antiga prefeitura te encontrei, me procurando! ... y ali mesmo você me contratou para ir para a CBS, onde eras produtor musical. A chegada de Sérgio Sampaio nas nossas vidas, a quem você logo se apegou... A ideia de fazer um LP anárquico y logo realizado, Sociedade da Gran Ordem Kavernista – apresenta Sessão das 10... Que loucura... Juntos, mais a Miriam Batucada, que também participava do disco, as idas aos jornais y rádios para divulgar um produto feito para dizer nada, que recebia elogios do mundo undergroud, tipo Pasquim, y era esnobado pela Rolling Stone.
Ay, do susto de sermos chamados à sala de “seu” Evandro Ribeiro, administrador da CBS, por causa de uma reclamação da matriz de Nova York que perguntava “WHAT IS???”, num papel colado sobre a capa do LP... Quase meia hora de preleção, saímos dali y queimamos um baseado na sua sala... Éramos uns irresponsáveis...
Dali, você y Sérgio seguiram em frente, y eu abandonei a gravadora... sem rancor nem arrependimento...
Fui ao memorial no outro prédio y descobri três fotos emolduradas de Waldir Serrão na parede: com Roberto Carlos, com Caetano Veloso y alguém desconhecido... Nessas lembranças, você merecia também uma foto...
Fui a Pituba à casa de um amigo que foi o seu primeiro empregador, naquele curso de inglês – que escondia uma outra coisa – y gargalhei sabendo como conseguiste o emprego graças a mais uma mentirinha sua... Também li y fotografei um manifesto “esquerdista” que assinastes...
A última vez que te vi foi no seu último show, com Marcelo Nova no Canecão, superlotado por um público ávido em te rever... No camarim, sacamos fotos, conversamos, se é que se pode chamar aquilo de conversa, estavas aéreo, dizias coisas desconexas, estavas inchado y falavas que estavas fazendo uma desintoxicação…
Pouco depois partistes deixando uma cratera na nossa música y um terrível sentimento de orfandade nos raulseixistas. Logo apareceram alguns sabidórios afirmando possuir cartas psicografadas onde falavas da vida etc., etc...
Eu digo que fostes na hora certa. Te deu a oportunidade de reconhecimento y de se transformar num mito... O tempo passando, partiu o genial Sérgio Sampaio, no mesmo ano, a Miriam Batucada. Também se foi o amigo Thildo Gama y recentemente o Waldir Serrão.
O grupo Os Panteras acabou por divergências particulares, mas cultivo amizade y visito cada um em separado: Carleba, Eládio y Mariano. Me correspondo com o Leno y com o seu maior fã paulista, o Carluz Bigode.
Muitos artistas continuam cantando y gravando sua obra, és IMORTAL... Eu, por exemplo, sempre seu FÃ, sou constantemente convidado a homenagens, sou o “último kavernista” ainda vivo! Tocamos Raul!
Um grande abraço y um até breve,
Edy *