Entrevista com Elena Medel

Por Equipe Todavia

Em entrevista ao Culturplaza, a poeta, editora e crítica literária Elena Medel comenta sobre as costuras de AS MARAVILHAS, seu primeiro romance, e o complexo ofício de escrever.

 

Em As Maravilhas, há uma mensagem latente sobre feminismo e gênero, que atravessa gerações e permanece na vida das duas protagonistas; […] e me parece que também coloca o foco na apatia que a juventude de hoje carrega. Como você vê isso?

María e Alicia representam a si mesmas; nesse sentido, não existe a intenção de fazer um retrato geral na construção das personagens. […] No romance procuro defender não um panorama monolítico — se a personagem nasceu em determinada década e determinada classe social, tais traços imóveis são atribuídos a ela — mas mais generoso em seus contornos.

Se penso na geração mais jovem, aquela que nasceu em meados dos anos noventa — e depois disso —, se trata de uma geração que não conheceu outras circunstâncias econômicas e laborais que não as da crise. E com um ponto de partida tão complexo, esses jovens não abandonaram a luta por direitos sociais, o compromisso político, a reivindicação… Não se desideologizaram, digamos assim. Acredito que essa criminalização da juventude nasce do preconceito.

 

Você não hesitou em descrever seu romance como “político”. O pessoal também é político?

Claro. Tudo, ou quase tudo, é político: dos gestos cotidianos e aparentemente triviais como decidir o que comprar e onde comprar — ter dinheiro e gastá-lo nos dá poder — a decisões mais explícitas como a ideologia, inclusive ao sublinhar que uma obra não tem uma intenção nesse sentido; nisso já existe um posicionamento. Entendo que muitas vezes os rótulos não estão ligados ao texto, mas ao que está ao redor dele — o que tem pouca relação com a própria literatura, portanto —, e que facilita a identificação do livro frente a outras obras: então aceito os rótulos de “Romance social” ou “Romance político”, claro.

 

O cuidado é outro tema presente em As maravilhas. As mulheres abrem mão de cuidar das próprias famílias para cuidar das famílias de outras pessoas […]. A precariedade segue tendo rosto de mulher até hoje?

Claro. As atividades ligadas ao cuidado são feminizadas e precarizadas. Quem limpa as casas de quem pode pagar? Essas mulheres estão inscritas na Previdência Social? Qual é o salário que elas recebem? Recebem um salário ou uma quantia por horas trabalhadas? Onde essas mulheres nasceram? Em que bairros elas moram? Do que elas têm que abrir mão para limpar sua casa, fazer comida e cuidar de sua família? Construo uma narrativa enquanto as coisas acontecem, e a realidade dá a resposta por mim.

 

Por que damos tão pouca importância a algo [limpar e cuidar] que, aparentemente, é tão crucial?

Por um lado, assumimos o cuidado como algo natural e evidente, integrado às imposições de gênero, e uso estes adjetivos com toda a prudência: se você é mulher, é normal cuidar; o anormal é se negar a cuidar. Se você rejeita essa imposição, você sofre com a demonização, com o isolamento social, e também sofre se não corresponde às expectativas de abnegação e perfeição; vem daí a figura da “mãe má”. Quando alguém da família fica doente, pressupõe-se — sempre foi assim — que o cuidado deverá ser assumido pela mulher mais próxima, a mulher “disponível”: a esposa, a mãe, a filha… e quem desfruta de certo privilégio — dinheiro — se apoia em uma mulher que vai receber para realizar a tarefa. Já que o cuidado é entendido como algo inato, por que é preciso pagar por algo que vai ser feito de qualquer maneira?

Acredito que as profissões feminizadas tendem a gozar de menos prestígio social — como tudo o que é associado às mulheres, em geral; o adjetivo “feminino” costuma ser carregado de conotações pejorativas — o que geralmente se traduz em um menor reconhecimento econômico.

 

Você acha que finalmente estamos rompendo com a ideia de “livros de mulheres para mulheres”?

Tenho dúvidas sobre isso. É inegável que a visibilidade está cada vez maior, mas… em que circunstâncias? Sobre o que se fala, como se fala? Quando pensava em As maravilhas, durante os primeiros meses de escrita, não me ocorria outra forma de contar a história que não pelas vozes das mulheres: aprendemos, porque nos foi ensinado assim, que uma história com voz masculina aborda os Grandes Temas Universais, enquanto a voz feminina trata do parcial, os “livros de mulheres para mulheres” a que você se referiu.

No entanto, como as escritoras são tratadas hoje? Penso, por exemplo, nas palavras usadas para descrever o primeiro livro de uma escritora e nas usadas para descrever o primeiro livro de um escritor. De tempos em tempos, surgem matérias que aludem a um suposto e cíclico boom de escritoras: várias mulheres cujo único vínculo está no gênero, que talvez compartilhem certos traços geracionais, sem importar que sua produção literária tenha ou não elementos em comum. O boom explode, ou seja: depois do estrondo, o nada, como se a suposição fosse a de que essas escritoras que publicam e posam para reportagens e concedem entrevistas hoje vão desaparecer amanhã, tal como aconteceu antes com tantas outras.

Só que essa mesma narrativa não se aplica a eles: não existe esse boom, porque o consenso é que o primeiro livro de um escritor inaugura uma carreira longa e supostamente bem-sucedida. Estou interessada nos primeiros e nos segundos livros, claro, mas penso cada vez mais nos que virão depois. Em que condições serão publicados? Que atenção vão receber?

 

*A íntegra desta entrevista foi publicada pelo Culturplaza.

TRADUÇÃO Sheyla Miranda


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