Trecho do livro
Com muita frequência a biografia atormentada de Van Gogh se sobrepõe a sua obra. E talvez seja de fato impossível deixá-la de lado. Afinal, a profunda angústia que o acompanha por toda sua breve existência — o pintor morreu com 37 anos, tendo deixado pouco mais de oitocentas telas e oitocentos desenhos e gravuras — pode encontrar, ao menos em parte, confirmação em sua obra. Contudo, quantas vidas não experimentaram sofrimentos semelhantes, sem que conseguissem revelá-los numa produção artística tão poderosa? Sem dúvida, o pintor teve momentos de profundo sofrimento mental e o alcoolismo o rondou por toda a vida. O maior problema de
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Com muita frequência a biografia atormentada de Van Gogh se sobrepõe a sua obra. E talvez seja de fato impossível deixá-la de lado. Afinal, a profunda angústia que o acompanha por toda sua breve existência — o pintor morreu com 37 anos, tendo deixado pouco mais de oitocentas telas e oitocentos desenhos e gravuras — pode encontrar, ao menos em parte, confirmação em sua obra. Contudo, quantas vidas não experimentaram sofrimentos semelhantes, sem que conseguissem revelá-los numa produção artística tão poderosa? Sem dúvida, o pintor teve momentos de profundo sofrimento mental e o alcoolismo o rondou por toda a vida. O maior problema de se partir da constatação de uma alma perturbada para a compreensão da obra de um grande artista reside no fato de considerar os transtornos mentais uma substância indefinida que se projeta sobre telas e papéis prescindindo de todas as mediações lúcidas que um trabalho de arte pressupõe. Desse ponto de vista, os problemas mentais — até hoje tão pouco compreendidos — serviriam como ponto de apoio para o esclarecimento de uma atividade que também não tem origem clara e conceitual. Como se esse aparente paralelo (o pouco conhecimento de ambos os processos) ajudasse em algo mais que não a mitificação das duas atividades.