Trecho do livro
Meu primeiro trabalho no City News foi uma lição de humildade. Fui designado como contínuo no turno da noite, a partir das cinco da tarde, e as tarefas eram estúpidas. Minha obrigação mais importante era preparar rapidamente muitas cópias das reportagens à medida que eram escritas. Essas matérias, depois de editadas, eram digitadas num estêncil de papel encerado que eu prendia num mimeógrafo. Então eu começava a girar a manivela feito um louco. As cópias que produzia eram distribuídas em tubos pneumáticos e saíam voando pela redação e para os clientes de rádio e TV. Virava uma loucura quando havia alguma notícia relevante — um duplo
[leia mais]
Meu primeiro trabalho no City News foi uma lição de humildade. Fui designado como contínuo no turno da noite, a partir das cinco da tarde, e as tarefas eram estúpidas. Minha obrigação mais importante era preparar rapidamente muitas cópias das reportagens à medida que eram escritas. Essas matérias, depois de editadas, eram digitadas num estêncil de papel encerado que eu prendia num mimeógrafo. Então eu começava a girar a manivela feito um louco. As cópias que produzia eram distribuídas em tubos pneumáticos e saíam voando pela redação e para os clientes de rádio e TV. Virava uma loucura quando havia alguma notícia relevante — um duplo assassinato ou uma sentença muito aguardada de um julgamento criminal importante — e eu acabava o meu turno invariavelmente coberto da tinta azul que tinha de colocar na máquina.
Minha outra tarefa básica era ainda mais sem graça. Não podia encerrar meu turno sem dar uma bela de uma esfregada, com um sabão especial, na mesa de Larry Mulay, o editor do turno da manhã que esteve no City News desde a época de John Dillinger e dos tiroteios da máfia nas ruas. Eu poderia ter ganhado três prêmios Pulitzer na noite anterior e ainda assim seria demitido se a mesa de Mulay não fosse aprovada na sua inspeção minuciosa, feita com luvas brancas na manhã seguinte. Ele colocava as luvas e passava os dedos pela mesa, procurando algum rastro que significaria a demissão de um contínuo. Tinha uma tarefa ainda mais detestável nas noites de sexta, quando o City News era responsável por encaminhar os resultados do basquete juvenil da região para todos os clientes. Passava horas no telefone registrando os placares para a seção de Esportes, formada por um só jornalista, um editor rabugento que levava seu trabalho infeliz muito a sério, como acabei descobrindo depois.
Apesar de tudo, eu estava apaixonado. A maior parte dos editores e dos repórteres era de cínicos e sábios de uma maneira que só pode ser descrita como “o jeito de Chicago”. Os policiais recebiam caixa dois e a cidade era governada por mafiosos. Os repórteres do City News, com raras exceções, ignoravam a corrupção e, em troca disso, tinham acesso às cenas de crime e podiam estacionar onde quisessem, contanto que deixassem o cartão de imprensa exposto no painel. A Outer Drive de Chicago, a principal estrada que liga o norte ao sul, ficou conhecida, por influência do comediante Mort Sahl, como o último entreposto de suborno coletivo. Os bares ficavam abertos até tarde, e os policiais ganhavam ainda mais bebidas de graça do que os repórteres. Lenny Bruce estava nos palcos a algumas quadras de distância, no clube noturno Mister Kelly, na rua Rush, e era possível ouvir Miles Davis, John Coltrane e Thelonious Monk enquanto se bebia uma cerveja no Sutherland Lounge, na zona sul. Os ambiciosos jovens repórteres que trabalhavam nos tribunais e nas batidas policiais compreenderam que sua missão era se encaixar no sistema e, de alguma maneira, garantir o funcionamento da cidade. Os repórteres do City News eram, na minha opinião, os mais cínicos de todos — mafiosos sarcásticos que estavam sempre caçoando de todo mundo (especialmente um novo contínuo). Eles viviam o presente. Eu, que passei boa parte da minha vida sentindo que não tinha controle de nada, estava perplexo.