Trecho do livro
A crise do bolsonarismo em 2020 tem diversas frentes: em primeiro lugar, a segurança pública. O fato de ter incentivado greves de policiais militares em alguns estados, como o Ceará, lançou dúvidas entre seus próprios apoiadores acerca da irresponsabilidade do presidente. A crise na segurança pública abalou Bolsonaro, mas em escala infinitamente menor que a crise do coronavírus.
Ao lado de sua fúria infecciosa, o coronavírus trouxe uma atenção renovada à ciência. O bolsonarismo se situa em um campo anticientífico mais acentuado que o trumpismo e outras propostas políticas de extrema direita. Mas logo teve de enfrentar uma aliança e
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A crise do bolsonarismo em 2020 tem diversas frentes: em primeiro lugar, a segurança pública. O fato de ter incentivado greves de policiais militares em alguns estados, como o Ceará, lançou dúvidas entre seus próprios apoiadores acerca da irresponsabilidade do presidente. A crise na segurança pública abalou Bolsonaro, mas em escala infinitamente menor que a crise do coronavírus.
Ao lado de sua fúria infecciosa, o coronavírus trouxe uma atenção renovada à ciência. O bolsonarismo se situa em um campo anticientífico mais acentuado que o trumpismo e outras propostas políticas de extrema direita. Mas logo teve de enfrentar uma aliança entre imprensa, cientistas, governadores e organizações internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS). Ao contrário do que vinha ocorrendo no Brasil desde 2018, essa coalizão tornou-se majoritária durante a pandemia. Devido à forma como o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, se articulou com governadores e implantou a estratégia de combate ao vírus preconizada pela OMS, o bolsonarismo apareceu cindido desde o primeiro momento da crise.
O capitão resolveu lançar todas as fichas na negação da pandemia. Bolsonaro entrou em rota de colisão com os governadores, com o STF, com o ministro da saúde e com uma parte significativa do seu ministério. Pela primeira vez desde 2018, porém, ele não conseguiu tornar hegemônica a sua concepção de antigovernabilidade e antipolítica. Diante do fracasso, resolveu dobrar a aposta: passou a radicalizá-la, tornando-a uma estratégia pública antivida. Essa estratégia envolveu ir à manifestação contra o Congresso e o STF no dia 15 de março de 2020, visitar pequenos comerciantes nas cidades-satélite no dia 29 de março, circular por Brasília na Semana Santa e passear de jet ski no dia em que o país registrava a marca de 10 mil mortos pelo vírus. Na verdade, Bolsonaro participou de mais de uma aglomeração por semana desde o dia 15 de março até meados de maio, quando o Brasil já contava com 20 mil mortos. As atitudes do presidente tornaram insustentável a permanência do ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta. Mas sua demissão, em 16 de abril, era só o capítulo inicial de uma crise que viria a se aprofundar.
Os pronunciamentos de Bolsonaro tornaram a associação entre ruas, mídias sociais e TV, da qual ele tanto se beneficiou, o calcanhar de aquiles da sua estratégia política. Surgiu, nesse momento, a política do panelaço, que no último dia de maio alcançou as ruas com manifestações de torcidas organizadas pela democracia. A estratégia de reação às ações do presidente foi se ampliando nas grandes capitais e cidades de porte médio no Brasil.