Trecho do livro
"Eu era um imigrante recém-chegado, louco para brilhar, e, caso masturbação seja omitida da conta, puro de corpo e coração. As cartas que eu enviava aos meus pais na Índia eram repletas de entusiasmo pelas maravilhas da minha nova vida. Aos que na América me davam boas-vindas, eu me sentia tentado a dizer, mesmo sem que me perguntassem, que E.T. deveria ter vencido o Oscar, e não Gandhi. Este último me parecera insuficientemente autêntico — eu mesmo, e isso é mais crucial, me sentia insuficientemente autêntico. Não tanto falso quanto insubstancial. Eu precisava de uma narrativa condizente para apresentar às pessoas que vinha conhece
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"Eu era um imigrante recém-chegado, louco para brilhar, e, caso masturbação seja omitida da conta, puro de corpo e coração. As cartas que eu enviava aos meus pais na Índia eram repletas de entusiasmo pelas maravilhas da minha nova vida. Aos que na América me davam boas-vindas, eu me sentia tentado a dizer, mesmo sem que me perguntassem, que E.T. deveria ter vencido o Oscar, e não Gandhi. Este último me parecera insuficientemente autêntico — eu mesmo, e isso é mais crucial, me sentia insuficientemente autêntico. Não tanto falso quanto insubstancial. Eu precisava de uma narrativa condizente para apresentar às pessoas que vinha conhecendo. No meu coração só havia desprezo pelos estudantes indianos que repetiam histórias sobre tentar educar americanos ignorantes, tipos que encontravam em barbearias e que lhes perguntavam como eles falavam inglês tão bem, ou se pertenciam a alguma tribo, ou se tinham crescido entre tigres. A nostalgia que agora eu prezava era um senso hipertrofiado do passado como um lugar, um lugar com placas de rua e uma imagem no topo de uma escada que eu reconhecia. Esse desejo nada tinha a ver com as alegações de superioridade civilizacional que fazem homens demolir sítios de adoração ou bombardear cidades inteiras. Eu sabia disso, e ainda assim me sentia inseguro em relação à minha história. Faltava-me um calmo autoconhecimento. Se uma mulher se dirigia a mim, principalmente se fosse atraente, eu ficava nervoso e falava demais.
Refiro-me aqui ao que aconteceu há mais de duas décadas; meus primeiros anos e meus primeiros amores. Mas a realidade do que foi me tornar o que sou agora, essa evolução, tal como foi, remonta no tempo aos macacos que me rodeavam quando eu era menino. Esta é minha própria Origem das Espécies. Os macacos de traseiro vermelho da minha infância abandonavam os galhos do grande pé de tamarindo e descascavam as laranjas esquecidas na varanda da casa de Lotan Mamaji. Isso era em Ara, Índia Oriental, no fim dos anos 60. Uma guerra com o Paquistão tinha chegado ao fim e outra se avizinhava no futuro. O primeiro-ministro Nehru estava morto há apenas alguns anos. Na linguagem dos livros de história, a nação estava em crise.
Lotan Mamaji era o irmão mais novo da minha mãe. Um homem gigante e barbado, o paan alojado na bochecha escura como um segredo que ele preferia não compartilhar. Numa manhã de inverno, enquanto todos ouviam rádio na varanda, atentos à partida de críquete no Eden Gardens, um macaco aproveitou para se infiltrar no quarto de Mamaji. Subindo na imensa cama branca, encontrou a pistola do meu tio e a brandiu — dizem — contra minha prima, nascida duas semanas depois de mim, ainda no berço. Ninguém se mexia. Em seguida, virando a pistola para si mesmo, a mente primata estimulando seu polegar opositor a pressionar o gatilho, o macaco atirou na própria cabeça. Era um macho de tamanho médio. Pedaços de carne, osso, pelo e massa cinzenta precisaram ser removidos das fotografias na parede, os retratos dos patriarcas da família, mortos há muito tempo.
Havia tantas mentiras repetidas na minha família, tantos segredos pela metade, que não sei por que nunca perguntei a ninguém se a história do macaco era verdadeira. Por muito tempo esteve abrigada na minha mente como um conto de batismo que me ensinara a natureza do medo, ou uma lição sobre o destino. Mas depois o passado perdeu a autoridade e o sentido da história mudou. A essa altura eu havia superado meus anos de adolescência. As questões centrais agora eram a ficção do passado, a ideia que eu tinha de mim mesmo como pessoa e o que ser escritor significava para mim."