Trecho do livro
Aquiles, Heitor, Ulisses: o herói da epopeia clássica é um homem-feito, um adulto. Eneias, que traz consigo são e salvo um pai já muito velho e um filho ainda muito jovem, resume bem a representatividade de quem está “no meio” da vida. Depois, com o primeiro herói enigmático da idade moderna, o paradigma se rompe. Segundo o texto, Hamlet tem trinta anos: para a cultura renascentista faz tempo que ele deixou de ser jovem. Mas não é assim para a nossa cultura, que, ao eleger Hamlet como seu contemporâneo, “esqueceu” a sua idade, ou melhor, falsificou-a e, simplesmente, rejuvenesceu o príncipe da Dinamarca.
O arranque decisivo nessa d
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Aquiles, Heitor, Ulisses: o herói da epopeia clássica é um homem-feito, um adulto. Eneias, que traz consigo são e salvo um pai já muito velho e um filho ainda muito jovem, resume bem a representatividade de quem está “no meio” da vida. Depois, com o primeiro herói enigmático da idade moderna, o paradigma se rompe. Segundo o texto, Hamlet tem trinta anos: para a cultura renascentista faz tempo que ele deixou de ser jovem. Mas não é assim para a nossa cultura, que, ao eleger Hamlet como seu contemporâneo, “esqueceu” a sua idade, ou melhor, falsificou-a e, simplesmente, rejuvenesceu o príncipe da Dinamarca.
O arranque decisivo nessa direção é, como se sabe, a obra de Goethe: e é sintomático que tome corpo exatamente naquele romance que codifica o novo paradigma e fixa na juventude a parte mais significativa da existência. Nasceu o Bildungsroman: a forma que domina — ou, mais precisamente, torna possível — o século de ouro da narrativa ocidental. E nasceu naturalmente um novo herói — Wilhelm Meister. E depois dele, Elizabeth Bennet e Julien Sorel, Rastignac, Frédéric Moreau e Bel-Ami, Waverley e David Copperfield, Renzo Tramaglino, Eugênio Onêguin, Bazárov, Doroteia Brooke…
Juventude, então. Juventude, podemos acrescentar, como determinação substancial, fundamental desses heróis. Também Orestes, de Ésquilo, era jovem: mas tal característica continha um quê de acidental e secundário — ser filho de Agamêmnom, por exemplo, era imensamente mais significativo do que ser um jovem. Mas no final do século xvii as prioridades se invertem, e aquilo que torna Wilhelm Meister e os seus sucessores representativos e interessantes é, em boa medida, o mero fato de serem jovens. A juventude — as diversas juventudes do romance europeu — torna-se, assim, para a cultura moderna, a idade que concentra em si o “sentido da vida”: é a primeira coisa que Mefistófeles oferecerá a Fausto. Este estudo se propõe a esclarecer as causas, os modos e as consequências de tais mudanças simbólicas.