Trecho do livro
A crítica me permite lutar contra o esquecimento? Claro que não. Vi muitos espetáculos e li muitos livros dos quais não me lembro, mesmo depois de ter lhes dedicado um artigo, sem dúvida porque não despertaram em mim nenhuma imagem, nenhuma emoção verdadeira. Pior que isso: costumo esquecer o que escrevi. Quando o acaso traz um desses artigos fantasmas à tona, sempre fico um pouco assustado, como se outra pessoa o tivesse escrito sob meu nome, um usurpador. Pergunto-me, então, se não escrevo para esquecer o mais rápido possível o que vi ou li, como as pessoas que mantêm um diário para limpar a memória do que viveram. Perguntava-me,
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A crítica me permite lutar contra o esquecimento? Claro que não. Vi muitos espetáculos e li muitos livros dos quais não me lembro, mesmo depois de ter lhes dedicado um artigo, sem dúvida porque não despertaram em mim nenhuma imagem, nenhuma emoção verdadeira. Pior que isso: costumo esquecer o que escrevi. Quando o acaso traz um desses artigos fantasmas à tona, sempre fico um pouco assustado, como se outra pessoa o tivesse escrito sob meu nome, um usurpador. Pergunto-me, então, se não escrevo para esquecer o mais rápido possível o que vi ou li, como as pessoas que mantêm um diário para limpar a memória do que viveram. Perguntava-me, até o dia 7 de janeiro de 2015.
Durante o espetáculo, peguei meu caderno. A última frase que escrevi naquela noite, no escuro e com pressa, vinha de Shakespeare: “Nada do que é, é”. A seguinte estava em espanhol, em letras muito maiores e igualmente incertas. Foi escrita três dias depois, em outro tipo de escuridão, no hospital. Era para Gabriela, minha namorada chilena, a mulher por quem estava apaixonado: “Hablé con el médico. Un año para recuperar. ¡Paciencia!”. Um ano para me recuperar? Nada do que nos dizem de fato é, quando entramos no mundo onde o que é não pode mais realmente ser dito.