Trecho do livro
Ele era alto, magro, mas de ombros largos, com o corte de cabelo militar muito popular entre certos rapazes em Sófia, que simulam um estilo hipermásculo e certo ar de criminalidade. Mal notei o homem com quem ele estava, que era mais baixo, submisso, com cabelo louro descolorido e uma jaqueta de jeans de cujos bolsos nunca tirava as mãos. Foi o homem mais alto que se virou para mim, ao que parece com interesse amistoso, isento de agressividade ou temor, e embora tomado de surpresa eu me vi sorrindo em resposta. Ele me cumprimentou com um elaborado jorro de palavras, diante do qual eu só pude abanar a cabeça, aturdido, enquanto apert
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Ele era alto, magro, mas de ombros largos, com o corte de cabelo militar muito popular entre certos rapazes em Sófia, que simulam um estilo hipermásculo e certo ar de criminalidade. Mal notei o homem com quem ele estava, que era mais baixo, submisso, com cabelo louro descolorido e uma jaqueta de jeans de cujos bolsos nunca tirava as mãos. Foi o homem mais alto que se virou para mim, ao que parece com interesse amistoso, isento de agressividade ou temor, e embora tomado de surpresa eu me vi sorrindo em resposta. Ele me cumprimentou com um elaborado jorro de palavras, diante do qual eu só pude abanar a cabeça, aturdido, enquanto apertava a manopla que ele me estendeu, oferecendo como desculpa e defesa as poucas frases que eu havia praticado até o entorpecimento. Seu sorriso se alargou ainda mais quando ele percebeu que eu era um estrangeiro, revelando um dente frontal lascado, cujo gume irregular (eu descobriria) ele esfregava obsessivamente com o indicador em momentos de preocupação. Mesmo a um braço de distância dava para sentir o cheiro do álcool que emanava não tanto do seu hálito como de suas roupas e cabelo; isso explicava sua liberdade num lugar que, mesmo com toda a sua licenciosidade, era limitado por certa inibição, e explicava também a característica natureza inocente do seu olhar, que era intenso, mas não ameaçador. Ele falou de novo, tombando a cabeça para um lado, e numa mistura de búlgaro, inglês e alemão ficou estabelecido que eu era americano, que estava naquela cidade havia algumas semanas e ficaria pelo menos um ano, que era professor no American College, que meu nome era mais ou menos impronunciável em seu idioma.
Ao longo da nossa trôpega conversa, não se mencionou o estranho local do nosso encontro, ou os usos aos quais era quase exclusivamente reservado, de modo que ao falar com ele eu sentia uma ansiedade composta de partes iguais de desejo e constrangimento diante do mistério de sua presença e propósito ali. Havia também um terceiro homem presente, que entrou e saiu várias vezes do reservado mais distante, olhando firmemente para nós, mas sem jamais se aproximar ou dizer uma palavra. Por fim, depois de darmos por terminadas nossas apresentações, e depois que esse terceiro homem entrou de novo em seu reservado, fechando a porta, Mitko (como agora eu sabia ser seu nome) apontou na direção dele e me lançou um olhar bastante significativo, dizendo Iska, ele quer, e em seguida fazendo um gesto lascivo cujo sentido era claro. Tanto ele como seu companheiro, a quem ele se referia como brat mi e que não tinha falado desde que eu cheguei, riram disso, olhando para mim como se quisessem me incluir na piada, embora evidentemente eu fosse um objeto da zombaria deles tanto quanto o homem que os escutava de dentro do reservado. Eu estava tão ansioso para fazer parte da turma deles que quase sem pensar sorri e abanei a cabeça de um lado para o outro, num gesto que significa aqui tanto concordância e afirmação como um certo espanto diante das esquisitices do mundo. Mas percebi no olhar que eles trocaram que essa tentativa de me associar a eles só fazia aumentar a distância entre nós. Querendo recuperar o prumo, e depois de uma pausa para organizar na minha cabeça as sílabas necessárias (que poucas vezes, apesar desses esforços, emergem como deveriam, mesmo agora, quando me dizem que falo khubavó e právilno, quando constato uma surpresa diante da minha fluência numa língua que quase ninguém que já não saiba se dá ao trabalho de aprender), perguntei-lhe o que estava fazendo ali, naquele recinto gélido com sua atmosfera de umidade. Acima de nós, lá fora, ainda parecia verão, a praça estava cheia de luz e de pessoas, algumas delas deslizando em skates ou patins de rodinhas, ou pedalando bicicletas elaboradamente personalizadas, gente da mesma idade daqueles homens.