Trecho do livro
Paulo chegou com Elza e dois dos seus filhos, Joaquim, com 23 anos, e Lutgardes, com 21. Foram recebidos por uma grande comitiva, entre os quais estavam Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Suplicy, José Carlos Dias, Irma Passoni, Vera Barreto e Zeca Barreto, o casal que o levara para tomar o avião para o exílio na Kombi do Movimento de Cultura Popular de São Paulo. Em meio às faixas de boas-vindas, estavam também agentes de pastorais incentivados a comparecer por dom Paulo Evaristo Arns, educadores e admiradores. O clima era de apreensão por uma possível ação repressiva que tentasse impedir o desembarque. Os Freire voltavam para pass
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Paulo chegou com Elza e dois dos seus filhos, Joaquim, com 23 anos, e Lutgardes, com 21. Foram recebidos por uma grande comitiva, entre os quais estavam Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Suplicy, José Carlos Dias, Irma Passoni, Vera Barreto e Zeca Barreto, o casal que o levara para tomar o avião para o exílio na Kombi do Movimento de Cultura Popular de São Paulo. Em meio às faixas de boas-vindas, estavam também agentes de pastorais incentivados a comparecer por dom Paulo Evaristo Arns, educadores e admiradores. O clima era de apreensão por uma possível ação repressiva que tentasse impedir o desembarque. Os Freire voltavam para passar um mês e organizar o retorno definitivo para o ano seguinte. Sobre estar de novo no Brasil, Paulo declarou aos jornalistas: “Olho para mim mesmo e me vejo contente e feliz, numa felicidade quase menina, apesar dos meus 57 anos”. Diante da insistência de repórteres que queriam a sua opinião sobre o momento político brasileiro, afirmou que seria uma leviandade de sua parte fazer uma análise, além de um desrespeito aos brasileiros, já que ele tinha ficado tanto tempo fora do país. “A cada momento eu descubro que é indispensável estar aqui para melhor entender toda a atual realidade. Quinze anos de ausência exigem uma reaprendizagem e uma intimização com o Brasil de hoje”, afirmou. Elza acompanhava à distância, e com preocupação, o depoimento de Paulo aos jornalistas, temerosa por algum deslize ou empolgação que pudesse causar futuros transtornos. Para seu alívio, saíram sem problemas do aeroporto com Madalena, a filha mais velha, que vivia em São Paulo e que os aguardava no aeroporto.
A família Freire teve que lutar para obter os passaportes que lhe permitiram voltar ao Brasil. Paulo tinha um documento especial fornecido pelas Nações Unidas que lhe autorizava mover-se com restrições para atender suas demandas de trabalho e convites, mas não a voltar ao Brasil. Elza vinha insistindo na renovação do seu passaporte e dos dois filhos menores, inclusive dando entrada no Tribunal Federal de Recursos com um mandado de segurança contra o Ministério das Relações Exteriores, argumentando que havia uma intenção discriminatória por preconceito político contra a família, já que não constava nenhuma acusação formal ou processo na justiça contra eles. O controle dos passaportes por parte do Itamaraty foi uma das formas de perseguição política de exilados. Os que saíram com o documento não conseguiam renová-lo, os que não tinham a documentação não conseguiam obtê-la. A família Freire lidou com essa barreira durante os mais de quinze anos que viveu fora do país. Paulo, apesar de conhecido, precisava viajar com convites e cartas de apresentação em mãos para mostrar nos setores de segurança dos aeroportos e controles de fronteira. Sua filha Fátima, depois de muito tempo de insistência para renovar seu passaporte brasileiro, acabou obtendo um do governo polonês por ser casada com Ladislau e ter um filho da mesma nacionalidade.
Ainda no aeroporto, Fernando Henrique Cardoso declarou aos jornalistas presentes que era uma vergonha uma pessoa como Paulo Freire ser obrigada a deixar o país e que agora era um problema de todos criar condições de trabalho para ele em seu retorno. “As universidades deveriam correr para contratá-lo”, disse.