“Uma vívida crônica da fábrica que investiga os detalhes da industrialização”
The Economist
Trecho do livro
Em nossa época, a onipresença de produtos fabricados e a falta de novidades com relação à existência da fábrica entorpeceram a apreciação da extraordinária experiência humana associada a ela. Pelo menos no mundo desenvolvido, chegamos a considerar a modernidade fabricada uma condição natural da vida. No entanto, ela é tudo menos isso. Um breve lampejo na história da humanidade, a era da fábrica não é mais antiga do que a primeira peça de Voltaire ou do que os navios baleeiros de Nantucket. A criação dela exigiu engenhosidade, obsessão e sofrimento excepcionais. Herdamos seu milagroso poder produtivo e sua longa história de exploraçã [leia mais]
Em nossa época, a onipresença de produtos fabricados e a falta de novidades com relação à existência da fábrica entorpeceram a apreciação da extraordinária experiência humana associada a ela. Pelo menos no mundo desenvolvido, chegamos a considerar a modernidade fabricada uma condição natural da vida. No entanto, ela é tudo menos isso. Um breve lampejo na história da humanidade, a era da fábrica não é mais antiga do que a primeira peça de Voltaire ou do que os navios baleeiros de Nantucket. A criação dela exigiu engenhosidade, obsessão e sofrimento excepcionais. Herdamos seu milagroso poder produtivo e sua longa história de exploração sem pensar muito a respeito.
Mas deveríamos. A fábrica ainda define nosso mundo. Há quase meio século, estudiosos e jornalistas americanos vêm anunciando o fim da era industrial e mencionando a transformação dos Estados Unidos numa “sociedade pós-industrial”. Hoje, apenas 8% dos trabalhadores americanos estão no setor manufatureiro, em comparação com 24% em 1960. A fábrica e seus trabalhadores perderam o poder cultural que tiveram. Mas, em todo o mundo, estamos no apogeu da fabricação. De acordo com dados compilados pela Organização Internacional do Trabalho, em 2010, quase 29% da força de trabalho mundial trabalhava na “indústria”, muito pouco abaixo dos 30% de 2006 e consideravelmente acima dos 22% de 1994. Na China, o maior fabricante mundial, 43% da força de trabalho estava empregada na indústria em 2015.
As maiores fábricas da história estão em operação neste momento, fazendo produtos como smartphones, laptops e tênis, que para bilhões de pessoas em todo o mundo definem o que significa ser moderno. Elas são gigantescas, com 100 mil ou 200 mil trabalhadores, se não mais. No entanto, não há nenhuma novidade nelas. Fábricas enormes são uma característica da vida industrial há mais de dois séculos. Em cada época, desde que elas entraram no palco da história, houve complexos industriais que se destacaram na paisagem social e cultural graças à dimensão, ao maquinário e aos métodos, às lutas dos trabalhadores e aos produtos que produziam. Seus próprios nomes — Lowell ou Magnitogorsk, ou agora Foxconn City — evocam conjuntos de imagens e associações.
Este livro conta a história dessas fábricas históricas enquanto o gigantismo industrial migrava da Inglaterra do século XVIII para as indústrias têxteis e siderúrgicas americanas do século XIX, para a indústria automobilística do início do século XX, para a União Soviética da década de 1930 e para os novos Estados socialistas após a Segunda Guerra Mundial, culminando nos mastodontes asiáticos de hoje. Em parte, trata-se de uma exploração da lógica da produção que levou, em alguns momentos e lugares, à intensa concentração da manufatura em instalações enormes e proeminentes e, em outros momentos e lugares, à sua dispersão e invisibilidade social. Além disso, é um estudo de como e por que fábricas gigantescas se tornaram portadoras dos sonhos e pesadelos associados à industrialização e à mudança social.
A fábrica liderou uma revolução que transformou a vida humana e o meio ambiente. Durante a maior parte da nossa história, até as primeiras manifestações da Revolução Industrial e a criação das fábricas, no início do século XVIII, a vasta maioria da população mundial era rural e pobre, levando uma existência precária, atormentada pela fome e pela doença. Na Inglaterra, em meados do século XVIII, a expectativa de vida não chegava a quarenta anos, enquanto em partes da França somente metade das crianças sobrevivia para comemorar seu vigésimo aniversário. O crescimento médio anual per capita da produção econômica global durante o período entre o nascimento de Jesus e a primeira fábrica foi basicamente zero. Mas, no século XVIII, começou a aumentar, e entre 1820 e 1913 se aproximou de 1%. Desde então foi maior, com um pico de quase 3% entre 1950 e 1970. O efeito cumulativo do aumento da produção de bens e serviços foi transformador, medido basicamente em expectativa de vida, hoje acima dos oitenta anos no Reino Unido, um pouco maior na França e quase 69 anos na média mundial. O suprimento constante de alimentos, a água potável e o saneamento básico se tornaram norma em boa parte do mundo, não mais restritos a minúsculos bolsões de ricos nas áreas mais avançadas. Enquanto isso, a superfície da Terra, a composição dos oceanos e a temperatura do ar foram profundamente alterados, a ponto de ameaçar a existência da própria espécie. Nem tudo isso foi estritamente consequência da Revolução Industrial, muito menos das fábricas gigantescas, mas grande parte foi.