Trecho do livro
Na entrada do edifício encontrou Pablo Picasso. Não era mais um desconhecido para o pintor que tanta afeição lhe despertou à época da Guerra Civil Espanhola. Nas livrarias italianas, estavam ligados um ao outro: Terras do Sem Fim saíra pela editora Bompiani com uma sobrecapa que reproduzia a imagem de uma obra em cerâmica do autor de Guernica. Em Paris, reuniam-se agora para ajudar um amigo em comum.
O elevador os levou ao escritório de Louis Aragon, poeta surrealista convertido em militante à frente de Ce Soir e Les Lettres Françaises, periódicos comunistas de prestígio na Paris do pós-guerra. Aquele seria um convescote em defes
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Na entrada do edifício encontrou Pablo Picasso. Não era mais um desconhecido para o pintor que tanta afeição lhe despertou à época da Guerra Civil Espanhola. Nas livrarias italianas, estavam ligados um ao outro: Terras do Sem Fim saíra pela editora Bompiani com uma sobrecapa que reproduzia a imagem de uma obra em cerâmica do autor de Guernica. Em Paris, reuniam-se agora para ajudar um amigo em comum.
O elevador os levou ao escritório de Louis Aragon, poeta surrealista convertido em militante à frente de Ce Soir e Les Lettres Françaises, periódicos comunistas de prestígio na Paris do pós-guerra. Aquele seria um convescote em defesa de Neruda. Não sendo apenas dois os amigos do poeta, Jorge iria recordar, anos mais tarde, de somarem-se no escritório a um amontoado de outros escritores, artistas e representantes dos partidos comunistas de toda América hispânica.
Neruda permanecia na clandestinidade desde que, senador eleito, sofrera cassação, após Gabriel González Videla chegar ao poder no Chile. Para reclamar sua integridade, os que se reuniram em Paris decidiram organizar um manifesto assinado pela maior quantidade possível de gente graúda. Acatavam-se nomes em busca de adesão. Jorge sugeriu Sartre, a essa altura um já desafeto de Aragon. Argumentou que, apesar da cizânia com o Partido Comunista Francês, o filósofo estaria longe de se coadunar com posições reacionárias. O anfitrião, sem esconder a contrariedade, apostava o contrário. “Jamais assinará”, teria dito.
Com Sartre, a ligação naqueles dias era tão pouco estreita quanto era a com Picasso. Estrearam na coleção Blanche da Gallimard no mesmo ano de 1938, ele com Bahia de touts les saints --, Sartre com A Náusea. Até então, tinham se visto apenas uma vez na sede da editora Nagel, que publicara Terras do Sem Fim em 1946. Não se importando com a falta de intimidade, Jorge acedia que a causa representava o suficiente para dirigir-se ao número 151 do Boulevard Saint-Germain, onde ficava a Brasserie Lipp, frequentada pela intelectualidade. Sartre interrompeu o almoço para assinar o telegrama com sua companheira, Simone de Beauvoir. Um dia, nos anos 1970,confessaria a Jorge na mesma Lipp que sabia do desafio lançado por Aragon quando o viu chegar.
Não era mais o menino de buço dos tempos em que surpreendeu Oswald de Andrade numa livraria do Rio. Aos 35, tinha onze títulos publicados, obra que viajava pelo Ocidente fazia uma década: oito romances cujo tom oscilava entre a denúncia e o lirismo, duas biografias escritas com ardor de panfleto e um guia inusitado da Bahia. Por sua militância comunista, fora preso político, e era agora deputado cassado. Ao entrar naqueles dias na Gallimard, a casa editorial francesa onde estreara, ficou sem entender o efusivo cumprimento de Albert Camus, ainda que feito de longe e por segundos breves. Quase meio século se passaria até tomar conhecimento da resenha derramadamente elogiosa escrita sobre seu Jubiabá pelo autor franco-argelino.