Trecho do livro
O aeroporto de Damasco era um lugar inóspito, repleto de tipos patibulares e bigodudos de calças com pregas levantadas até o umbigo, que logo ficávamos sabendo que eram os esbirros do regime, os famosos mukhabarat, inúmeros informantes e policiais secretos: aquelas camisas de gola aberta e pontuda dirigiam uns Peugeot 504 Break ou uns Range Rover enfeitados com retratos do presidente Assad e de toda a sua família, a tal ponto que na época se contava uma piada de que o melhor espião sírio em Tel Aviv acabara, depois de anos, caindo nas mãos dos israelenses: tinha colado no vidro traseiro uma foto de Netanyahu e seus filhos — essa his
[leia mais]
O aeroporto de Damasco era um lugar inóspito, repleto de tipos patibulares e bigodudos de calças com pregas levantadas até o umbigo, que logo ficávamos sabendo que eram os esbirros do regime, os famosos mukhabarat, inúmeros informantes e policiais secretos: aquelas camisas de gola aberta e pontuda dirigiam uns Peugeot 504 Break ou uns Range Rover enfeitados com retratos do presidente Assad e de toda a sua família, a tal ponto que na época se contava uma piada de que o melhor espião sírio em Tel Aviv acabara, depois de anos, caindo nas mãos dos israelenses: tinha colado no vidro traseiro uma foto de Netanyahu e seus filhos — essa história nos fazia morrer de rir, nós, os orientalistas de Damasco, representando todas as disciplinas, a história, a linguística, a etnologia, as ciências políticas, a história da arte, a arqueologia e até a musicologia. Encontrava-se de tudo na Síria, desde especialistas suecas de literatura feminina árabe até exegetas catalães de Avicena, a maioria estava ligada de um jeito ou de outro a um dos centros de pesquisas ocidentais instalados em Damasco. Sarah conseguira uma bolsa por alguns meses para pesquisas no Instituto Francês de Estudos Árabes, gigantesca instituição reunindo dezenas de europeus, franceses é claro, mas também espanhóis, italianos, britânicos, alemães, e esse mundinho, quando não estava envolvido em pesquisas doutorais ou pós-doutorais, dedicava-se ao estudo da língua. Todos eram formados na mais pura tradição orientalista: futuros cientistas, diplomatas e espiões ficavam sentados lado a lado e se dedicavam de comum acordo às alegrias da gramática e da retorica árabes.